Poeta da ousadia e da sutileza

março 4, 2025

Marco Lucchesi, Antonio Carlos Secchin e Salgado Maranhão elencam características que fizeram de Affonso Romano de Sant ’Anna único no seu ofício

Ser poeta é mais uma condição do que exatamente uma profissão. E, por isso, o poeta precisa conciliar a dedicação ao ofício com diferentes formas de ganhar seu sustento. Ainda mais no Brasil. E Affonso Romano de Sant’Anna transcendeu à sina de poeta (sem nunca deixar de sê-lo) para ser múltiplo em diferentes segmentos, da escrita a áreas do saber, transitando entre o academicismo das universidades e a gestão de instituições públicas como a Biblioteca Nacional, da qual foi  presidente em meados dos anos 1990.

O escritor  não esteve sozinho. Encontrou na também poeta e escritora Marina Colasanti (1937-2025) mais que uma parceira, uma cúmplice. Juntos, firmaram uma parceria de devoção à literatura só comparável no Brasil a do casal Jorge Amado (1912-2001) e Zélia Gattai (1916-2008).

Affonso, que nos deixou nesta terça de Carnaval (04), aos 87 anos, tem seu perfil delineado aqui por três dos mais importantes poetas da cena contemporânea brasileira, ouvidos por NEW MAG. São eles o imortal e presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi; Antonio Carlos Secchin, também membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), e pelo poeta, letrista e escritor Salgado Maranhão, que apontam para características que fazem do poeta mineiro, nascido em Belo Horizonte em 1937, único no seu ofício.

– Affonso e Marina formavam,para mim, uma larga, profunda e intensa paisagem, como se um e outro não me pudessem faltar nas referências intelectuais e, ao mesmo tempo, nas menções mais efetivas da alma. Partiu Marina e,pouco depois, parte Affonso, e, de fato, um capítulo da História brasileira se vai com os dois e, mais especificamente com Affonso quando se trata de uma série de virtudes que ele consagrou para mudar o país – destaca Lucchesi ressaltando a ousadia do amigo e escritor:  – Tudo o que ele fez tinha de fato a marca da ousadia, da audácia e também da delicadeza e da sutileza. Affonso era um espírito inquieto e, com essa inquietação, construiu uma belíssima poesia, muito própria que conversava com o Modernismo, mas que se ajustava a uma nova sintonia que anunciava uma série de dilemas que atravessavam o final do século passado.

Poeta e ensaísta como o mineiro, o também imortal Antonio Carlos Secchin destaca a multiplicidade do amigo e do gestor público, ao lado de quem trabalhou na Fundação Biblioteca Nacional, onde realizaram feitos que perduram até hoje,como a criação da revista Poesia Sempre.

– Affonso era um ser de múltiplos talentos. O poeta,  o ensaísta,  o cronista… Facetas conhecidas e admiradas. Culto, afável, espirituoso… sem esquecer  o Affonso administrador da cultura – elenca Secchin destacando importante feito do amigo em prol do acesso da população ao bem público: –  Quando presidente da Biblioteca Nacional,  conseguiu modernizar e ampliar o público da instituição.  Nessa época,  tive a alegria de trabalhar com ele,na criação de uma importante revista,a Poesia Sempre,  que até hoje é editada pela BN.

O poeta maranhense Salgado Maranhão estudava ainda Comunicação na PUC do Rio de Janeiro quando foi surpreendido por um fato. Aventurando-se pela poesia, ele viu a antologia “Ebulição pela escrivatura” (Civilização Brasileira), que trazia alguns de seus textos de estreia, ser incluída na bibliografia do curso de Letras daquela mesma instituição.

E isso se deu graças a Affonso, ligado à universidade. Tal fato acabou por aproximar os dois poetas que seguiram seus caminhos sem perderem-se de vista. A ligação do poeta mineiro com o Brasil é uma das características que, para Salgado, fazem dele único na poesia.

– Affonso foi, ao longo dos últimos 50 anos um dos mais brilhantes intelectuais da cena literária do Brasil. Poeta, ensaísta, contista, ele foi um homem das Letras. Ele construiu, ao longo da vida, uma contribuição produtiva e participativa na vida brasileira ao mesmo tempo em que pautou sua vida pelos afetos. Ele merecia ter sido mais reconhecido – avalia Salgado.

A interlocução de Affonso levava-o a dialogar com nomes da sua geração e com os que o  precederam , assim como com os novos poetas e escritores. E isso, para Lucchesi dava-se pelo fato de o poeta não se intimidar pelas contradições que compõem o nosso país, como ele relata a seguir:

–  Affonso conviveu com grande parte dos pensadores do século XX e tinha o compromisso afetivo de interpretar o nosso Brasil e de compreender todas as contradições de que somos feitos e de, a partir delas, salvar uma parte daquilo que nos constitui e do nosso futuro. Num momento em que a democracia e o mundo vivem tantos sobressaltos, a voz da poesia do Affonso continua afiada.

E, assim, continuará. Ave,poeta!

Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e divulgação (imagem)

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