‘Paolla é muito boa atriz’

maio 2, 2025

Renata Sorrah estreia espetáculo e analisa o legado de “Vale tudo”, opina sobre as personagens que interpretou, festeja as mudanças recentes no país e avalia seu papel na TV Globo

Ela é uma atriz exuberante. E o adjetivo não está aqui por acaso. Não em se tratando de Renata Sorrah. Ao longo de seis décadas de carreira, ela deu vida a mulheres antológicas – e tão fortes quanto ela. Exemplos não faltam e vão da Nívea de “Assim na Terra como no Céu” (que precisou voltar à trama depois de morta) a Nazaré Tedesco de “Senhora do destino”. “Sempre arregacei as mangas”, constata Renata que está de volta aos palcos do Rio de Janeiro. Integrante da Companhia Brasileira de Teatro, onde atua há 13 anos, ela estrela “Ao vivo [Dentro da cabeça de alguém]”, que ocupa o Teatro Carlos Gomes até o fim deste mês. “O teatro abre sua percepção para o mundo”, reconhece ela nesta entrevista, por telefone, ao NEW MAG. A seguir, ela avalia o impacto provocado no país pela primeira versão de “Vale tudo”, elogia Paolla Oliveira, intérprete atual de Heleninha Roitman, festeja os avanços relacionados a direitos civis, elenca os papéis com que mais se identifica e avalia sua participação na TV Globo, que festejou os 60 anos de sua criação: “Acho que tenho uma história para contar”. E o público brasileiro te agradece por isso.

A peça conversa com “A Gaivota”, do Tchekhov, em que você atuou nos anos 1970. Como foi reencontrar aquelas ideias para, a partir delas, criar algo novo?

O Marcio Abreu é apaixonado por Tchekhov também e já havíamos revisitado “A gaivota” na criação do “Voo livre”. E, numa das nossas conversas, falei de uma experiência vivida durante os ensaios de “A gaivota” (Renata foi Nina na montagem, dirigida por Jorge Lavelli). Ensaiávamos na Sala Cecília Meireles e, a caminho do ensaio, tive o que hoje podemos chamar de uma epifania. Minha cabeça abriu e, naquele momento, entendi sobre a Natureza, o universo e sobre nosso lugar no mundo. Foi uma revelação e vi que tudo pode ser simples.

Como foi isso? Havia feito uso de alguma substância?

Você é o primeiro a me perguntar isso (risos). Estava sóbria e caretíssima. Careta, não, porque no teatro você nunca fica careta. Ele aguça sua sensibilidade e abre sua percepção para o mundo. Ele tem isso de lisérgico. Foi o Tchekhov que me provocou isso.

Você está curtindo muito isso de pertencer a um grupo. O que te comove mais nesse processo?

Há 13 anos integro a Companhia Brasileira de Teatro, através da qual já encenamos cinco espetáculos. Já tivemos oportunidade de nos apresentar até fora do país, no Porto, em Portugal,na França e até na Alemanha. Meu pai (Peter Sochaczewski), que nasceu em Berlim, teria ficado orgulhoso de mim.

Vale tudo está no ar e As lágrimas de Petra Von Kant foi encenada em São Paulo. Vale a pena atualizar uma obra mesmo quando ela marca a época em que foi exibida?

Tem que valer a pena. O Brasil de 1988 precisava ver e ouvir aquilo,  precisava ouvir o Cazuza pedindo para o país mostrar a sua cara. Havia essa urgência e isso permeou o trabalho de toda a equipe. Atores, autores e diretores tinham uma faca nos dentes. E essa força-tarefa resultou numa perfeição de novela, a melhor que já vi na vida.

Os ensaios para a estreia no Rio te deixam acompanhar essa nova versão?

Consegui assistir aos primeiros capítulos e, na medida do possível, assisto de quando em quando. O elenco é muito bom, e admiro muito a Paolla (Oliveira, que vive Heleninha). Admiro a mulher que ela é e seu posicionamento em relação às questões femininas. Ela é muito boa atriz.

Uma das cenas de “Mais perto” era ambientada numa sala de chat.O público tinha de ler aquele diálogo.  Como lida com a relevância que as redes sociais têm hoje?

Não lido bem, não. Acho que o trabalho do ator tem uma aura de  mistério e de fantasia. O público que vai ao teatro quer se surpreender. Vejo alguns colegas muito preocupados em bombar nas redes. E aí você vai assisti-los e já sabe o que vai encontrar. Sem falar nas pessoas que te saúdam como “diva” ou como “vaca”. Acho horrível isso. E, hoje em dia, ainda tem esse negócio de um nome ser escolhido para um papel a partir do número de seguidores, uma loucura! Qual o futuro que nos espera? Será um desdobramento do presente? Espero que não.

Em “As lágrimas amargas” havia um frisson em relação ao beijo entre a sua personagem e a da Fernanda Montenegro. Como vê hoje as conquistas relacionadas às questões de gênero?

Na primeira versão de “Vale tudo” havia um casal de mulheres. O público implicou  e uma das personagens (Cecília,, interpretada por Lala Deheinzelin) teve de morrer. Não há mais espaço para isso nos dias de hoje. A nova versão traz ainda duas protagonistas negras. Tudo isso são ganhos. Claro que ainda há muito a fazer. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Há muito ainda a se construir.

Fernanda disse numa entrevista que você é a atriz mais generosa com quem ela contracenou…. Quem é o ator ou a atriz mais generoso(a) com quem já trabalhou?

Seria injusto apontar para um somente, então fico com os quatro que trabalham comigo no “Ao vivo”, todos generosos: Rodrigo (Bolzan), Rafael (Bacelar),  Bárbara (Arakaki) e a Bianca (a cantriz Bixarte). Eles são maravilhosos.

Você e Marieta Severo são amigas, companheiras de geração e só recentemente contracenaram no teatro. Por que demoraram tanto?

Não sei… A gente sempre planejou fazer algo. Uma das ideias era a de fazermos “O que terá acontecido a Baby Jane”, sobre o embate entre Bette Davis e Joan Crawford. Isso teria sido maravilhoso, mas seguimos outros caminhos até que calhou de nos encontrarmos em “O espectador”. E foi uma delícia.

Em Madame Satã você precisou cantar… Qual o maior desafio que encarou para um papel?

Quando o Karim (Aïnouz,diretor do filme) me convidou para atuar e falou que seria uma cantora de cabaré, disse a ele que havia algo errado porque sou muito desafinada (risos). Ele disse que eu iria conseguir e, de fato, consegui. Tive aulas de canto, estudei  muito, e é minha a voz  ouvida no filme. Ali não tem essa coisa de IA (inteligência artificial), não (risos)!

Você não mede esforços para se aprimorar, certo?

Recentemente, fui à Argentina assistir a uma montagem de “A gaivota” só com as personagens femininas da peça. Elas tinham passado pelo Festival de Curitiba, mas não consegui vê-las lá. Então fomos eu, Camila Pitanga e o Patrick (Pessoa, namorado de Camila). Vimos cinco atrizes esplendorosas, e essa experiência me fez muito bem. De três delas vou me lembrar para sempre.

Falando em interpretação, qual das suas personagens mais te representa?

Não poderia destacar uma, mas o conjunto da obra: Heleninha, Nazaré (Tedesco,de “Senhora do destino”), a Pillar (Batista, de “Pedra sobre pedra”)…  Não posso esquecer também da Leonor de “Brilhante”… Seria injusto escolher uma.

E qual delas é a mais diferente de você?

Todas são diferentes ao mesmo tempo em que sou eu quem as faço. A Zenilda, de “A indomada”, dona de um bordel. Outra é a Malu, de “O cafona”, uma jovem riquinha da Zona Sul do Rio de Janeiro. Lembrei  também dos embates que tinha com o Lima (Duarte, seu colega  em “Pedra sobre pedra”),um ator maravilhoso! O trabalho na TV tem essa vantagem:  te dá a oportunidade de você se exercitar no ofício e de trabalhar as nuances da personagem.

Nesses 60 anos da TV Globo, qual avaliação faz da Renata como peça na engrenagem dessa indústria do entretenimento?

Acho que tenho uma história para contar como parte dessa engrenagem. Isso desde a minha primeira novela (“Assim na Terra como no Céu”). Lembro que, depois que minha personagem (Nívea) morreu, a audiência caiu e tive de voltar imediatamente (risos) Nunca quis o caminho da celebridade, da diva…  Sempre arregacei as mangas e acreditei em mim.

Créditos: Christovam de Chevalier (texto e entrevista) e Fábio Audi (imagem)

 

 

 

 

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