‘O que mais me incomoda é o racismo que acontece na microrrelação’

setembro 27, 2024

Manoel Soares fala sobre a transição da TV aberta para multiplataformas, sua relação com a CUFA (Central Única das Favelas) e sobre o preconceito que enfrentou como comunicador negro em um país racista

Por lá já passaram Isabel Fillardis, Netinho de Paula, Seu Jorge, Sérgio Loroza, Luciana Mello, Milhem Cortaz, Edi Rock, Tati Quebra Barraco, Lumena Aleluia, entre outras personalidades icônicas. O sucesso das entrevistas realizadas pelo apresentador Manoel Soares em seu programa, agora independente, mostram a força que tem seu trabalho como comunicador. Mas não foi fácil trilhar esse caminho até aqui, Manoel precisou se reinventar após ter sido demitido da Globo, em junho de 2023, onde ficou por seis anos. Ele teve o contrato encerrado na época em que apresentava o programa “Encontro”, ao lado de Patrícia Poeta. Desde então, está longe da TV aberta, mas segue a todo vapor na internet. Trabalha ao lado da esposa, Dinorá Rodrigues, com quem está junto há 18 anos em seu próprio projeto, o “Bombou”, que ganhou espaço no WhE Play, na Samsung TV Plus, aos domingos. Em entrevista exclusiva para o site NEW MAG, ele conta como aconteceu a transição da TV aberta para multiplataformas, sua relação com a CUFA (Central Única das Favelas) e falou também sobre o preconceito que enfrentou sendo um profissional e comunicador negro em um país racista. 

Como tem sido esse novo momento da sua carreira? Sentiu mais liberdade com a transição da TV aberta para a internet?

Esse novo momento tem sido maravilhoso e transformador. Hoje, trabalhando na internet, eu me sinto mais livre para falar e estou redescobrindo minha comunicação e sendo diretamente influenciado pelas pessoas que me ouvem, porque eles também me trazem muita coisa bacana, muitas referências. O objetivo do “Bombou” é uma tentativa de pluralizar cada vez mais o processo de comunicação, incluindo os espectadores nesse processo. Quando nós criamos o agregador de notícias, há quase um ano, queríamos expandir os horizontes do noticiário. O “Bombou” é um projeto vivo, ele vai encontrando o seu formato, sua identidade, seus desenhos e caminhos. Agora, por exemplo, estamos com uma vertente de entrevistas, o “Bombou Entrevistas”, que traz bate-papos com artistas, mas de uma forma diferente, sempre trazendo um novo olhar em relação ao convidado da semana. Nós abrimos nossas portas e microfones para ouvir esses ídolos. Além disso, hoje estamos na grade de programação da WhE Play, canal fast premium que estreou em junho na Samsung TV Plus. Tenho cada dia mais orgulho desse projeto! 

Qual a personalidade que você entrevistou no “Bombou” que mais te surpreendeu e por quê?

No “Bombou Entrevistas” já passou muita gente maravilhosa, que trouxe histórias fortes e revelações sobre a vida. Entre todas, tiveram algumas que me surpreenderam, como a entrevista com a Tati Quebra Barraco, pois conheci uma mulher extremamente sensível, com uma relação familiar que contrasta muito com a vida de artista. A história com o filho dela, o Yuri, me marcou bastante. A entrevista com Seu Jorge também foi muito marcante por ser uma pessoa que vive muitos fusos horários, consegue exercer sua paternidade e gerenciar sua carreira. O Edi Rock que é pai de menina e precisou alcançar sua feminilidade a partir da convivência com as filhas, levando em consideração que ele é líder do Racionais, isso foi muito forte. A entrevista com a Lumena me marcou, pois ela é uma mulher muito inteligente e a troca foi bem bacana. A relação do Netinho de Paula depois da morte da mãe dele, como isso impactou a vida dele também foi um tema que mexeu muito comigo. Ou seja, é difícil escolher apenas uma personalidade que me marcou no “Bombou Entrevistas”. 

Sua esposa, Dinorá Rodrigues, participa do projeto com você. Como é separar vida pessoal de profissional na hora do trabalho, na primeira empreitada de vocês juntos?

Eu sou o Pink e a Dinorá é o Cérebro, sempre nos completamos criando juntos para dar à nossa família as oportunidades que não tivemos. A Dinorá é uma companheira da vida em todos os aspectos. De fato eu não trabalho com ela, eu a assisto e isso está fortalecendo ainda mais o nosso relacionamento. A grande magia de você trabalhar como casal é a possibilidade de conhecer a sua companheira, conhecer a pessoa que você ama num lugar diferente do lugar que vocês habitam. A versão da Dinorá que eu estou vendo no trabalho é uma versão que, nesses 18 anos, não tinha me sido apresentada ainda.

Você é cofundador da CUFA, entidade fundamental para ajudar vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul, local onde você começou sua carreira. Como tem visto a recuperação do povo gaúcho após a tragédia?

O que eu percebo é que a recuperação do povo gaúcho está muito focada na questão estrutural, porém existem os fatores mental e emocional que nem todo mundo está prestando atenção. Existe um trauma que está no coração e na História das pessoas, que se não for curado vai produzir outros impactos no futuro que precisarão ser compreendidos. 

Você sofreu diversos episódios de racismo, alguns até mesmo tornarem-se públicos. De que forma você passou por cima disso tudo e tornou-se uma referência como comunicador no Brasil?

Eu vivi e presenciei diversas questões, mas hoje acredito que as pessoas negras estão conquistando espaço com competência e com atenção, esse avanço necessita de comprometimento e seriedade de toda a sociedade, e se dá como uma consequência da luta dos nossos ancestrais. O racismo que mais me machuca e que mais me incomoda é o racismo que acontece na microrrelação. Não é o emblemático gritante, mas, sim, aquele que muitas vezes você não tem nem força para lutar contra, de tão pequeno que ele é, mas o corte é profundo. Esse caminho que percorri pra chegar onde estou hoje foi construído com muita força e com a luta dos meus ancestrais que vieram antes de mim. Sou grato a minha mãe por ter sido a mulher visionária que ela foi, sempre nos puxando para um lugar de respeito e amor, e isso foi fundamental para me tornar o profissional, o pai, marido, amigo que sou hoje. Eu sou o resultado da luta de muita gente que tem compromisso de continuar lutando para que as outras pessoas continuem também alcançando o que acreditam ser correto. Sou grato à dona Léa Garcia, Milton Gonçalves, Heraldo Pereira, Glória Maria, grandes comunicadores. 

Ultimamente há uma busca por novos formatos e algumas emissoras têm procurado influenciadores, seja para programas ou para novelas. O que você pensa sobre o futuro da TV no Brasil?

Eu acho que é muito mais sobre as emissoras de TV buscarem inovação do que buscar somente os influencers. Houve uma época em que os atores exerciam múltiplas funções dentro do espaço televisivo, como apresentadores e inúmeras outras coisas, mas também teve uma época em que os cantores e empresários viveram isso. Então em diversos momentos da vida e da história de uma sociedade alguns grupos sociais começam a se destacar produzindo coisas interessantes que refletem o interesse das pessoas e do mercado. Nesse momento são as pessoas que estão produzindo conteúdos para a internet, e tudo bem. Obviamente que a pessoa precisa ter uma capacidade natural de se expandir enquanto profissional, pois eu sou da convicção de que as ferramentas que nos fizeram chegar até aqui, não necessariamente são as que nos levarão para os próximos estágios da vida.

 

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