Melina Dalboni já tinha um nome consolidado no jornalismo quando passou a dividir seu tempo também com o cinema e com a TV. Depois de integrar a equipe criativa da série “Independências”, da TV Cultura, e da comédia “Tire cinco cartas” (que merecia mais atenção do público), um convite mostrou a ela que o trabalho como roteirista estava ficando sério. Do diretor Luiz Fernando Carvalho, com quem trabalhara em “Independências”, veio a proposta para roteirizar “A paixão segundo G.H”, uma das obras-primas de Clarice Lispector (1920-1977), um dos grandes nomes da nossa literatura.
Melina viu ali que teria um desafio e tanto pela frente. E não se fez de rogada. Ela certamente não imaginava que o mergulho naquele universo renderia outro projeto: um livro. Narrado de forma cativante na primeira pessoa, “A paixão segundo G.H – Diário de um filme” (Rocco) revela ao leitor o processo de adaptação da obra e as etapas enfrentadas. A edição, que traz também fotos das filmagens e reproduz anotações do diretor, chegas às livrarias nesta quinta-feira (11) concomitantemente à estreia do longa, estrelado por Maria Fernanda Candido.
– Mergulhar no universo de G.H., vasculhar as coordenadas do romance, desvendar a linguagem de Clarice e transpor a potência da literatura para o cinema foi um processo muito prazeroso. Uma alegria difícil, mas chama-se alegria, como diz a própria Clarice –revela Melina ao NEW MAG.
A obra é considerada uma das mais densas escritas pela autora, nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira. Uma característica intrigante da personagens, cujas iniciais são conhecidíssimas, é a de seu nome não ser revelado em momento algum da narrativa. E Melina teve cuidado para seguir e respeitar o estilo da autora, como ela conta:
– O desafio maior sempre foi o de trabalhar a partir do livro sem mudar uma só palavra. A imanência – ou seja, ficar dentro daquilo que é – é um conceito importante do romance, e nós buscamos esta ideia até mesmo na transposição, na síntese e no diálogo com o texto.
E claro que, ao passar por uma experiência tão profunda, Melina acabou transformada como escritora e, sobretudo, como mulher. A consciência de que o mundo independe de nós é algo ainda mais latente após concluir o trabalho.
– O texto fala de maneira muito íntima às mulheres, ao feminino, especialmente em relação aos abismos impostos por uma sociedade construída por homens e para homens. Além disso, mergulhar neste universo clariceano me ensinou, antes de mais nada, sobre a escrita e a linguagem – salienta ela.
Linguagem que tem tudo para comover os fãs de Clarice – que não são poucos – e arrebatar o público em geral. Afinal, excelência é uma das marcas da jornalista, agora também roteirista com R em maiúscula.
Crédito da imagem: Catarina Ribeiro