‘Brasil é laboratório para criminalidade’

julho 30, 2022

Jorge Pontes fala do combate ao crime ambiental na Amazônia e defende a autonomia da PF

Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal, tendo se formado pela FBI National Academy, e, anos depois,  integrado o Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França. De uns tempos para cá, dedica-se a um ofício que exige tanta minúcia quanto uma investigação: a Literatura. Autor de “Crime.Gov – Quando Corrupção e Governo se Misturam” e “Institutionalized Crime”, ele tem na defesa do Meio Ambiente outra de suas paixões. A ponto de dedicar a esse tema seu novo trabalho, “Guerreiros da Natureza — A história do combate aos crimes ambientais na Polícia Federal” (Mapa.lab), que lança nesta segunda-feira (1º de agosto) no Rio de Janeiro. Nesta entrevista ao NEW MAG, ele fala das dificuldades que enfrentou ao longo da profissão e reclama, com razão,  da falta de autonomia da polícia, da corrupção institucionalizada nas esferas políticas e do descaso de anos com o combate ao crime ambiental. Tudo somado, Jorge Pontes se diz confiante em relação ao futuro do planeta, como mostra a seguir.

Em seu novo livro, o senhor faz um relato da sua saga para a criação e implementação da Divisão de Repressão aos Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico na Polícia Federal, um trabalho que começou lá atrás, nos anos 80. De onde vem essa consciência ambiental, quando pouco se falava sobre o tema?

Quando entrei para a Polícia Federal, eu tinha cursado biologia, mas abandonei essa carreira para me tornar policial federal. Então, quando eu entro na Polícia Federal e acabo buscando essa vertente de combate aos crimes ambientais, era uma forma, talvez não consciente ou consciente, de tentar resgatar um viés profissional meu que tinha ficado para trás, porque tenho uma relação com natureza, com bichos, desde menino. O cientista, o naturalista que ficou para trás, sempre existiu, até porque era uma paixão, não era só uma profissão, e a gente não consegue fugir das paixões. Então, eu acho que foi um perfil da minha personalidade, dos meus interesses, das minhas paixões, minhas obsessões, essa questão de proteger a natureza. Foi um reencontro e até algo prazeroso porque eu pude trabalhar com uma coisa que eu gosto.

Qual a sua opinião sobre as investigações e o fechamento do caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, que investigavam atividades ilegais e predatórias na região do Vale do Javari, na Amazônia?

Esse duplo homicídio foi uma tragédia, não somente amazônica, mas brasileira, e ela faz parte de um pacote que, infelizmente, nós estamos recebendo: de um olhar pouco interessado e insensível que o Governo Federal tem em relação a algumas questões da Amazônia. Há uma série de fatores que concorreram para essa tragédia ter acontecido. Um é o abandono da região, que virou uma terra de ninguém. Isso é um abandono crônico que vem ao longo de décadas. Existe uma lacuna crônica da presença do estado na Amazônia. E, por mais que a gente não goste deste governo, a gente não pode apontar somente para ele. Mas esse governo piorou muito as coisas. A política armamentista, por exemplo,  que vem sendo implementada, de alguma maneira, contribui para piorar a situação desses bolsões na Amazônia. Há uma pesquisa recente, do Instituto Igarapé, que mostra que a criminalidade e o tráfico de drogas nessa região começaram, de alguma maneira, a se aproximar da criminalidade ambiental. Muitos daqueles bandidos que lucram com tráfico de drogas, começam a interagir com criminosos ambientais, porque o crime ambiental é apenado de forma muito branda, as reprimendas penais são convidativas e os lucros são altíssimos. Isso aí ficou claro nesses últimos inquéritos, inclusive alguns alvejaram o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em que se percebeu que há um suporte político para essas atividades que são extremamente lucrativas.

Por falar no ex-ministro Ricardo Salles, no ano passado, o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva foi afastado de suas funções por investigar o então ministro. Como o senhor vê esse envolvimento do poder executivo ao destituir um servidor público do cargo justamente por ele exercer o seu ofício com retidão e ética profissional?

Vejo de uma maneira muito ruim. Embora a Polícia Federal tenha dito que o delegado Alexandre Saraiva já iria sair daquela superintendência, não consigo entender como é que a Polícia Federal, a partir do momento em que o delegado Saraiva, como superintendente do mais importante estado da Região Amazônica, presidente daquele inquérito, toma uma medida formal, investigativa, e essa medida atinge o ministro do Meio Ambiente. A Polícia Federal deveria ter mudado os planos em relação a ele. Isso, levando-se em conta que o que a Polícia Federal falou é verdade, que já ia tirar o delegado. Saraiva tinha sido superintendente de Roraima, do Maranhão e do Amazonas, somando 10 anos de atuação, e ele nem é de lá. Quer dizer, ele serviu à Polícia Federal como um dos 27 gestores e, coincidentemente, quando ele faz um inquérito dessas proporções, ele acaba sendo tirado da Superintendência e volta a trabalhar numa unidade no interior do Rio de Janeiro? Eu não acredito que os planos da Polícia fossem esses, com um sujeito contra o qual não existe absolutamente nada, que sempre fez grandes trabalhos. Eu sei que é complicado, o diretor-geral é subordinado ao ministro da Justiça, mas a polícia não faz parte do governo. Tem uma ideia totalmente deturpada, corrompida, que os órgãos de estado podem servir ao governo como se fizesse parte dele, mas não é bem assim. As missões dessas instituições, como a Polícia Federal, Receita Federal, Ibama e Polícia Civil, são constitucionais. Entra governante, sai governante, e a missão permanece.

Em seu livro, o senhor se diz esperançoso com relação ao futuro do planeta. Por quê?

Acho que uma das maiores forças de qualquer ser vivo é a força pela sobrevivência, o esforço que qualquer ser faz para sobreviver em qualquer momento de perigo. O ser humano começa a ter uma consciência ambiental. Essas novas gerações, que vão mandar no planeta daqui a dez, 15 anos, já são forjadas com entendimento sobre a necessidade da sustentabilidade nos processos. Todo e qualquer processo tem que ser sustentável. Eu sou esperançoso porque nós começamos a perceber essas atrocidades que vêm ocorrendo. Infelizmente, a questão ambiental foi politizada. Hoje, não me classifico como de esquerda, nem de direita, sou bem ao centro. Mas eu sou bem ambientalista. E o engraçado é que, quando a gente diz que é ambientalista, as pessoas de direita te chamam de comunista. O campo progressista abraçou as questões ambientais, mas por que a direita, o liberalismo econômico, não abraçam também? Se não cuidarmos do meio ambiente, vamos morrer todos.

O senhor também é autor de outros livros que tratam de corrupção no país. O senhor também atuou na repressão a esse tipo de crime?

Sim, o “Crime.Gov” e o “Institutionalized Crime”, que foi publicado agora na Inglaterra, que é uma variação deste e que fala do crime institucionalizado, uma morfologia criminosa mais complexa, mais perigosa, mais difícil de ser combatida do que o crime organizado, tipo máfia. Todo mundo pensa que a criminalidade organizada é a mais tenebrosa das formas do crime se organizar. Não é. A mais tenebrosa é o crime institucionalizado, que toma parte do Estado, perpassando os três poderes, que faz as próprias leis, nomeia os próprios juízes e demite delegados. E o Brasil é um laboratório para quem quer estudar criminalidade, em que as pessoas alcançam o topo da organização, não matando como o mafioso, mas concorrendo a uma eleição. Aí você vai ser governador do Rio de Janeiro, como foi o Sérgio Cabral, exemplo típico. E como foram outros. Ninguém, em sã consciência, vai gastar R$ 15 milhões em uma campanha para passar quatro anos no Congresso Nacional e ganhar, nesse tempo, R$ 2 milhões. A gente pensou que tinha visto tudo com o governo do PT, que tínhamos chegado ao fundo do poço, mas deu para cavar um pouco mais.

Qual foi o momento mais difícil em sua carreira na Polícia Federal? Em algum momento chegou a receber ameaças por seu trabalho, tanto contra crimes ambientais quanto a crimes políticos?

Foi quando subi na carreira, comecei a ser gestor da Polícia Federal. Cheguei na superintendência com o olhar de que o policial tem que ser pescador de peixes grandes. Eu acho que a repressão ao tráfico de drogas é uma atividade distrativa. Enquanto você está ali pegando traficantes e apreendendo drogas, até fazendo bons trabalhos e quebrando sigilos e recuperando bens, recursos financeiros altíssimos e tudo mais, existem crimes muito mais importantes a serem reprimidos. A repressão ao tráfico de drogas é importante e a Polícia Federal não pode dar as costas. Mas você só prende o pobre. Pode ser um crime violentíssimo, que gera uma porção de outros crimes, mas eu acho que o combate às drogas cria mais problema do que o próprio tráfico. O combate, em si, traz armas para as comunidades, traz violência, traz corrupção de várias autoridades, polícia, servidores de todos os graus. Quando cheguei na superintendência com essa filosofia de produzir um trabalho que atingisse os criminosos mais altos na escala, percebi que incomodei. Esse incômodo chegou ao conhecimento dos meus superiores e acabei ficando menos tempo do que gostaria, apesar de estar fazendo um trabalho. Isso aí foi um dos piores momentos da minha vida.

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