Dalal Achcar tem na dança mais do que uma paixão, uma razão de vida. Tal constatação não é lugar comum, pelo contrário. Bailarina que teve oportunidade de aperfeiçoar-se no exterior, onde também apresentou-se, acabou por estabelecer uma via de mão dupla que possibilitou o aprimoramento de nossos profissionais como fez com que a dança brasileira alcançasse o respeito que tem hoje – aqui e no exterior. Ela é ainda a responsável por uma escola que, há mais de 50 anos, forma profissionais e está à frente de uma companhia que leva seu nome. Irrequieta, reúne talentos de diferentes gerações, como Regina Miranda e Alex Neoral, no Encontro da Dança Cias e Coreógrafos, cuja primeira edição acontece no Rio de Janeiro (Teatro Prudential) neste e no próximo fim de semana. “Gostaria de ver o Brasil entre os países com mais políticas para a dança”, revela em entrevista, por telefone, ao NEW MAG. A seguir, Dalal rememora encontros com personalidades que vão do bailarino russo Rudolf Nureyev (1938-1993) a Lady Di (1961-1997), fala da experiência à frente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e reclama do esvaziamento da agenda para apresentações de dança na cidade.
O Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, não tem uma agenda constante de espetáculos de dança. A que a senhora atribui esse esvaziamento?
O Rio não tem mais uma agenda de dança. E as companhias não conseguem, por elas próprias, criar mecanismos para que isso se restabeleça e acabam trabalhando de forma isolada. Há também a questão da falta de espaços para apresentações. Muitos teatros foram fechados e, por outro lado, a população cresceu. Há talentos que surgem, não encontram incentivos e que vão para o exterior porque o país não tem capacidade de absorvê-los. É necessário haver mais parcerias entre o estado e o setor privado. O Rio tem no turismo mais do que uma vocação: um centro de geração de renda e de oportunidades. O mesmo tem de acontecer com a Cultura.
A senhora esteve, em diferentes momentos, à frente do Theatro Municipal. O que foi mais difícil de enfrentar na gestão pública?
Tivemos momentos de vacas gordas e muitos de vacas magras. Peguei o Municipal com uma agenda de 12 produções por ano e fizemos esse número chegar a 90. Pude implementar ações como a Associação de Amigos (do Municipal) o que possibilitou com que convidássemos profissionais para temporadas, não só de dança, mas em relação à música e à ópera, e pudéssemos atrair a população através de ingressos populares, levando também estudantes e formando plateias. Tudo isso num tempo sem leis de incentivo…
Muitos artistas precisam vestir um terninho e ir os executivos das grandes empresas. E muitos deles ouvem não como respostas. O que mudou nessa relação?
Antes, tínhamos empresários com referências artísticas fortes, com seus gostos e afinidades, que decidiam, eles próprios, o que iriam apoiar. Com o tempo, essa decisão passou a ser tomada pelo conselho de acionistas. Agora, essa decisão vem do departamento de marketing que, na grande maioria das vezes, só quer saber se a sua marca terá visibilidade ou não.
Voltando ao Municipal, lá, teve oportunidade de receber a Lady Di. Qual a recordação ficou desse encontro?
A de uma pessoa doce, humana e frágil. Eu já havia estado com ela antes. Ela era amiga da (bailarina britânica) Margot Fonteyn e fomos apresentadas em Londres. Inclusive, quando a Margot morreu, ela foi à homenagem realizada na embaixada brasileira em Londres. Ela era entusiasta da dança e foi patronesse do English National Ballet. A Diana era naturalmente simples e verdadeira.
A senhora trabalhou com grandes nomes como o russo Nureyev e o norte-americano Fernando Bujones num tempo em que havia Guerra Fria. O que de mais valioso aprendeu com esses profissionais?
Esses dois exemplos mostram como a Cultura é necessária na educação de um povo. No caso da ex-União Soviética, a Cultura está associada à educação e há ali políticas educativas fortes. Já nos Estados Unidos, um país democrático e capitalista, a cultura também é valorizada com políticas de incentivo que envolvem bolsas entre outros mecanismos. Tanto o Nureyev quanto o Bujones tiveram formações sólidas e, como artistas, foram ao máximo de suas potencialidades.
E potencialidade temos de sobra, não?
Somos um país com potencial artístico imenso. E nossa criatividade nos faz únicos. Você vê a nossa música sendo ouvida no mundo todo. Já vi companhias com populações ribeirinhas usando folhas de árvores nos figurinos . Temos forças que precisam de apoio, não somente na formação artística, mas na técnica. Nossa criatividade é única no mundo.
Em pouco mais de 50 amos, a escola de balé sobrevive num país que passou por diferentes governos, planos econômicos e pelo desmonte da Cultura. Pensou em desistir?
A escola enfrentou muitas dificuldades, mas nunca pensei em desistir. Ela foi pensada originalmente como um lugar de formação e não como um negócio. Durante o tempo em que trabalhei no exterior, ouvia que o professor brasileiro tinha conhecimento, mas que faltava a ele método. Tanto é que os primeiros professores da escola vieram de Londres.
E quem eram eles?
O primeiro deles foi Claude Newman. Achávamos que, no começo, atingiríamos a marca de 30 alunos e, em poucos meses, chegamos a 200. Concomitantemente surgiu a escola de Goiás e, com essas iniciativas, o ensino da dança foi sendo aperfeiçoado no país. E, com isso, conseguimos realizar a primeira grande apresentação de “O quebra-nozes” no país.
O que falta para Dalal Achcar realizar que ainda não foi possível?
Muita coisa que não vai dar tempo de realizar. O mais importante é que eu gostaria de ver o país acolher, conservar e dar reconhecimento aos profissionais da dança, sem que tenham de ir para o exterior. Gostaria que a dança também tivesse reconhecida sua qualidade a exemplo do que acontece com a nossa música. E não somente com o balé clássico, mas com seus diversos estilos. O jovem talento precisa ser aproveitado no seu país. Gostaria de ver o Brasil entre os países com mais políticas para a dança, a exemplo do que acontece na ex-União Soviética e como a Coreia está se tornando.