‘Não esperava ficar 30 anos na TV’

novembro 22, 2024

Alexandre Borges celebra 40 anos de carreira no palco e saúda a abertura da TV à Diversidade, aplaude Fernanda Torres e defende parcimônia com o whatsapp

Era o ano de 1993 quando “Guerra sem fim” estreou na hoje extinta TV Manchete. O folhetim tornou conhecido um ator que já dizia a que viera. O artista em questão era Alexandre Borges. Então com 27 anos, não tardou para ele cair nas graças do público e tornar-se um dos talentos mais requisitados da sua geração. Prova disso está nos diferentes tipos criados para a TV, veículo no qual atua há 30 anos. Sim, como naquele jingle, o tempo passa, voa, e o ator celebra quatro décadas de carreira voltando ao habitat onde forjou  sua persona artística: o palco. E com um clássico de Samuel Beckett (1906-1989). Alexandre traz ao Rio “Esperando Godot”, que marca também sua volta ao Oficina e na qual foi novamente (e derradeiramente) dirigido por José Celso Martinez Corrêa (1937-2023), um dos maiores nomes do teatro brasileiro. O espetáculo aporta no recém-inaugurado Teatro Carlos Gomes, Centro do Rio, para curta temporada até 08 de dezembro. “O Zé me ajudou a descobrir o sentido desta carreira que escolhi”, reconhece Alexandre, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. A seguir, o ator fala sobre amadurecimento, aplaude o reconhecimento de Fernanda Torres, saúda a abertura da TV à Diversidade e defende o uso parcimonioso dos gadgets tecnológicos.

Você trabalhou com Zé Celso em “Hamlet” em 1993, e o reencontrou quase 30 anos depois, com outro clássico. O que cada uma dessas experiências te trouxe de novo?

Trabalhar com Zé Celso foi um privilégio. Aprendi muito com ele. Além de um diretor completo, ele criou um grupo que é um dos mais longevos do país. Ele foi um cara que se dedicou ao teatro full time. Trabalhei com ele em duas situações, e todas elas foram muito representativas. Na primeira vez, ele me ajudou a descobrir o sentido desta carreira que escolhi, e isso foi corroborado nesse reencontro com ele. A vontade de encenar o Godot me acompanha há muito tempo e sempre soube que ela se realizaria em algum momento, e o momento é agora quando celebro 40 anos de carreira.

Entre a sua primeira aparição na TV e a ida à Globo você se tornou um dos atores mais requisitados da sua geração. Como foi lidar com esse assédio?

Cheguei na TV vindo do teatro, numa época em que a TV aberta dava as cartas, e fui me surpreendendo com as possibilidades que ela oferecia. Não esperava ficar 30 anos na TV, e isso é para mim uma surpresa grande. A profissão do ator é imprevisível, e a TV me deu uma estabilidade maior na carreira, o que me possibilitou produzir trabalhos no teatro e no cinema. Sem falar nas outras oportunidades que a visibilidade te dá como a de fazer campanhas publicitárias, por exemplo. A TV me possibilitou também trabalhar com atores da chamada Geração de Ouro. Tive a alegria de contracenar algumas vezes com a Fernanda Montenegro e isso é um presente.

Falando nela, como vê o reconhecimento à atuação da Fernanda Torres em “Ainda estou aqui”?

Vibro muito com isso. A Fernanda é uma atriz muito carismática e merece todo esse reconhecimento. E o Walter (Salles) é um diretor talentosíssimo e fez um filme muito sensível. Sem falar do Marcelo (Rubens Paiva), um escritor incrível. “Feliz ano velho” foi um livro que me marcou muito. Meu pai militou nos anos 1970 e uma lembrança forte que tenho é a da foto do Rubens Paiva com a pomba no ombro. Essa é uma história que não pode ser esquecida.

Em “Um copo de cólera” o livro do Raduan Nassar está ali ipsis litteris. Com o que foi mais difícil de lidar: com a pujança do texto ou com o lirismo das cenas sensuais?

Eu vivi ali um processo semelhante ao que tive com o Beckett. O ator é uma ponte e ele precisa se apropriar daquelas ideias e se inserir naquele universo. E isso é utópico. Quanto mais você nada, mais você abre seu horizonte. Na época, conheci o Raduan, li sua obra, e Julia (Lemmertz) e eu fomos coprodutores do filme com o Aloizio (Abranches), que o dirigiu com muita sensibilidade. Chamamos a Angel Viana para dirigir as cenas de sexo, que acabaram mais comentadas do que o filme em si (risos)…

Bacana falar da Angel pois há uma coreografia ali, em momentos como quando você levanta o lençol…

Sim, tudo ali foi completamente desafiador. O texto tinha uma pujança que não permitia improvisos. Não foi um trabalho naturalista como o da TV. Hoje tenho mais vivência e estofo de vida e teria me aproximado daquele personagem com mais propriedade.

Seu personagem em “As filhas da mãe” envolve-se com uma personagem trans, interpretada por Claudia Raia, uma mulher cis. Como vê a ascensão na TV de artistas trans como Valéria Barcelos e Gabriela Medeiros?

Acho fundamental. A nossa sociedade é lenta e demora a se dar conta sobre questões que precisam ser aprimoradas. E isso está relacionado a questões de Justiça e Igualdade. A TV é também educativa e precisa, por isso, ser representativa. E tem de ser abrangente em todas as circunstâncias.

Você teve oportunidade de trabalhar, como diretor, com o Dedé Santana. Como foi esse processo para você?

Foi a mesma sensação provocada pelo trabalho com o Zé Celso: a de ver aquele artista de oitenta e tantos anos com uma entrega invejável àquele trabalho, e isso me impressionou muito. Foi bonito ver a disposição dele de estar ali, de viajar com o espetáculo porque a vida do artista vai além do palco. Você viaja, acorda cedo, perde o voo… O Dedé é um artista à serviço do público. Ele ainda é, aos 88 anos, um palhaço de circo, e isso é muito bonito.

Você aderiu tardiamente ao instagram e, assim como a Glória Pires, não usa whatsapp… É possível impor seu ritmo num tempo em que a noção de urgência está relativizada?

Bom, são dois pontos: um é o instagram. Estávamos na pandemia quando decidi entrar.  Minha mãe estava enfrentando o Alzheimer e vi ali uma forma de me reconectar com as pessoas. Aproveitei para falar do Alzheimer e estabeleci também uma parceria com a Cufa (Central Única das Favelas) para a arrecadação de cestas básicas, e isso foi muito interessante. É claro que quando se tem poucos seguidores você consegue estabelecer uma relação de mão dupla com as pessoas. Agora, quando você passa de 5 mil para 20 mil, 60 mil,  essa interação fica difícil…

E em relação ao whatsapp?

O whatsapp já esbarra numa questão relacionada a ansiedade dos dias de hoje. Quando o celular era usado como telefone, eu ia ensaiar, desligava o aparelho, ficava seis horas trabalhando e retornava as mensagens  à noite ou no dia seguinte, quando era perfeitamente possível.  Essa loucura de agora me aflige. Não tenho essa disponibilidade. Nós, atores, somos um pouco egoístas, mas o fato é que o artista precisa de concentração para o seu trabalho, e o uso da tecnologia precisa de parcimônia.

Crédito da imagem: Eny Miranda

Posts recentes

Festão com xenhenhém

Preta Gil prestigia Alcione em aniversário que reuniu grandes personalidades no Rio de Janeiro

‘Não esperava ficar 30 anos na TV’

Alexandre Borges celebra 40 anos de carreira no palco e saúda a abertura da TV à Diversidade, aplaude Fernanda Torres e defende parcimônia com o whatsapp

De pedra a vidraça

Flávio Marinho reúne grandes talentos em lançamento de livro com textos dos tempos em que atuou na imprensa