‘Não acredito em teatro sem patrocínio’

setembro 8, 2023

A produtora Aniela Jordan fala de pioneirismo, dos desafios por ser mulher, da irmã Dalal e aponta Xuxa como personagem de musical

O Brasil é famoso pela criatividade e pela diversidade cultural. Um trabalho não chega à cena sem a figura do produtor que,muitas vezes, é também realizador. Aniela Jordan reúne em si essas vertentes (e outras). Filha de Henrick e Josephina Jordan, teve o interesse pelas artes amparado pelos pais e pela irmã, a bailarina e coreógrafa Dalal Achcar. Aniela deu seus primeiros passos artísticos na dança, e o interesse pelos bastidores levou-a a ser a primeira mulher iluminadora no Rio de Janeiro. Outra iluminação viria: a realização cultural selaria seu destino. Como uma das sócias da Aventura, devolveu à cidade três importantes teatros e, ao longo de 15 anos, levou aos palcos quase 40 grandes espetáculos. O mais recente é “Disney Princesas, o musical”, segunda parceria da Aventura com a Pixar, em cartaz na Cidade das Artes Bibi Ferreira, no Rio de Janeiro. “Sabe que eu ainda me pergunto o que vou ser quando crescer”, revela ela nesta entrevista por telefone ao NEW MAG. A empresária falas dos percalços enfrentados por ser mulher, da eventual ideia de, no futuro, trabalhar como gestora pública e aposta em Xuxa como um grande nome a ter sua vida contada (e cantada) num musical.

O Disney Princesas é a segunda parceria entre a Aventura e a Pixar. As heroínas dos contos de fadas refletem as mudanças ocorridas no mundo?

Nesse espetáculo sim. Até porque ele tem uma proposta diferente: são atrizes-cantoras que interpretam as princesas e que falam da relação que tiveram com elas. Uma das atrizes, que interpreta a Bela (de “A Bela e a Fera”), fala que se identificou com a personagem por também gostar de ler. Ela era uma criança mais introspectiva e que aquela identificação mudou a vida dela, por exemplo.

Uma das protagonistas, que interpreta a sereia Ariel, é negra, por exemplo…

Duas delas são. A Ariel é interpretada pela Laura Castro, que a dublou no cinema. E ela fala do quão importante isso foi para seu empoderamento. A outra cantora conta que, quando criança, queria muito o vestido da Cinderela e que acabou ganhando dos pais. Ela é negra e esse gesto dos pais foi importante para ela. O espetáculo acaba tendo esse viés, de trazer histórias de vida, muitas delas de superação.

Com Mamma Mia você retomou a parceria com a dupla Möeller e Botelho. O que foi mais prazeroso nesse reencontro?

O mais importante foi a continuidade de uma amizade que sempre existiu. Somos muito amigos e isso é a melhor coisa. E, depois, tem o trabalho em si e o prazer que ele proporciona. Fizemos juntos “A noviça rebelde”, que reabriu o Casa Grande, entre outras coisas e foi bom resgatar novamente essas vivências, sobretudo a da amizade.

Em que momento da vida caiu a ficha de que você era de fato uma realizadora cultural?

Você sabe que até hoje me pergunto o que vou ser quando crescer (risos)? Vou precisar viver mais 50 anos! A cada novo trabalho, quando uma equipe é formada, me vem à cabeça a quantidade de profissionais, entre técnicos e artistas, com os quais trabalhei e cai a ficha do quanto  já realizei. Acho que isso vem de família. A Dalal é assim. A gente tem essa coisa de sonhar para frente. Tenho uma tendência a querer fazer tudo e, mais adiante, preciso puxar o freio porque me dou conta de que não dá para fazer tudo que gostaria.

Aceitaria comandar uma secretaria ou mesmo o ministério da Cultura se fosse convidada?

Seria uma grande honra. No atual momento, tenho muitas coisas para lidar: três teatros, fora as produções em cartaz e as que estão sendo levantadas. Trabalhei 20 anos no (Theatro) Municipal e passei por essa experiência de lidar com o serviço público, que é muito difícil. Não adiante só a vontade de criar políticas e querer realizá-las. É importante que o chefe do Poder tenha uma vontade política forte de querer realizar as coisas contigo, seja em qual esfera for. Sem isso você não terá autonomia. Só a vontade de realizar não é suficiente.

Durante um tempo você foi a única mulher no Rio de Janeiro a trabalhar como iluminadora. Qual foi o maior preconceito enfrentado pelo seu pioneirismo?

Além de ser mulher, era nova quando comecei nesse meio, onde só tinham homens. Eu tinha de lidar com técnicos, maquinistas, eletricistas… Imagina se eles iram aceitar o comando de uma garota? Levava tempo até conquistar a confiança desses profissionais. Saía do Municipal à meia-noite, chegava em casa e chorava, indo dormir às quatro da manhã.

E como se interessou por iluminação cênica?

Dançava balé com a Dalal. Da primeira fila, passei à segunda até que ela e Margot Fontayne encenaram “A Floresta Amazônica” (de Villa-Lobos), em que fui uma árvore (risos). Entendi ali que meu futuro não seria na dança e comecei a me interessar pelos bastidores. Cortava gelatina para colocar em refletor, subia em escada, fiz de tudo, até que fui estudar fora.

E qual foi a barra mais pesada de segurar ao longo desses 15 anos da Aventura?

Tocar as obras de três teatros foi puxado. Devolvemos o Casa Grande, que foi uma obra grande, depois o Riachuelo, um espaço tombado que levou dois anos para ser reformado. Brinco de depois do Riachuelo encaro qualquer obra. E, depois, o Prudential, em que a obra foi mais tranquila. Tudo isso, claro, com o suporte de grandes parceiros. Não acredito em teatro sem patrocínio. Agora, o mais duro mesmo foram esses últimos quatro anos de governo e a pandemia, quando todo mundo fechou. Estávamos a 15 dias de estrear o espetáculo com o Ney Latorraca (“Seu Neyla”) e tudo precisou ser adiado ou suspenso. A sorte é a que os deuses do Teatro gostam da gente.

Qual personagem brasileiro merece ter a vida contada num musical?

(Aniela fica um tempo em silêncio). A Xuxa é uma personagem que inspiraria um musical. Durante um bom tempo só se faziam musicais sobre pessoas mortas, mas de um tempo para cá, isso mudou. A Xuxa seria uma ótima personagem.

Agora que é avó, criou um segmento às crianças. Pensa em pegar mais leve no trabalho?

Para estar com meus netos desmarco até reunião. Quando me perguntam se posso apanhá-los na escola, respondo que sim. Fazemos juntos programas culturais e, dia desses, após assistirmos a um musical, um deles disse que achou a produção fraca (risos). O outro se interessa mais pela música. Certa vez, achei que um músico tocava baixo acústico no que fui corrigida: “É um violoncello, vó” (risos). É bonito ver que eles já têm algum discernimento.

Crédito da imagem: Caio Gallucci

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