Claudio Tovar emocionou-se ao ver, recentemente, imagens de Josephine Baker (1906-1975). “Essa mulher me viu dançar… Essa mulher me aplaudiu”, repetia ele como num mantra. A cantora e dançarina francesa ajudou a tornar famosos no seu país 13 bailarinos que revolucionaram, nos anos 1970, a Cultura, o pensamento e o comportamento no Brasil. Estamos falando dos Dzi Croquettes, grupo que abriu asas e alas a outras tantas trupes que surgiram em seguida no teatro, na música (As Frenéticas, por exemplo) e na dança em si.
Esse conjunto terá pela primeira vez sua história contada em livro. E o responsável pelo feito é o ator e artista visual Claudio Tovar, um dos três remanescentes ainda vivos do grupo. Resultado de três anos de labuta, “Dzi Croquettes – As internacionais” (Claraboia) será lançado na próxima terça-feira (22), na Livraria da Travessa de Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro.
Tovar, Bayard Tonelli e Ciro Barcelos foram procurados por uma produtora, em 2021, com uma proposta tentadora: a de realizarem uma série sobre o grupo e um livro a partir dos relatos dos três. Empolgados, Ciro e Tovar deitaram a escrever, mas só o segundo deu continuidade à tarefa. A ideia da série ficou pelo caminho e, quando deu por si, Tovar já tinha alguns capítulos escritos.
– O livro é a forma como vou celebrar meus 80 anos (completados em julho). Em vez de fazer uma viagem ou uma festa, vou me dar esse presente – celebra Tovar criticando em seguida uma característica comum nos brasileiros: –O grupo cumpriu um papel importante, e a memória do brasileiro acaba logo, né? Queria que alguém escrevesse sobre aquilo tudo e acabou sendo eu.
Reavivar tais lembranças foi um exercício importante para o artista, cuja memória lhe pregou algumas peças “Correspondia uma coreografia a certos figurinos e depois me dei conta de que não estavam associados”, entrega ele, que teve em Dona Eda, sua mãe, uma preciosa aliada para organizar as ideias.
– Ela juntou, ao longo de anos, matérias de jornais, fotos, cartazes e programas dos espetáculos que fizemos. Um dia, fui à sua casa, em Vitória (ES), e ela me entregou todo esse material com a justificativa: de que precisava que eu esvaziasse seus armários – diverte-se Tovar celebrando a iniciativa: — Ganhei de mão beijada todo o acervo para a pesquisa.
E boas e divertidas histórias não faltam. Era 1974 os Dzi Croquettes desembarcaram em Lisboa, na cara e na coragem. Na bagagem, quase duas toneladas de apetrechos e objetos de cena, espalhados por baús coloridos, pintados por eles próprios à la Mondrian. “Vocês têm contrato?”, inquiriu o policial aduaneiro. Como não tinham, tudo foi retido, sendo liberado dias depois e através da intervenção da Embaixada Brasileira.
E a questão só foi resolvida graças a outra contenda. Os brasileiros ensaiavam numa boate quando, num belo dia, foram surpreendidos pelo dono do local.
– Não promovemos shows masculinos – censurou o gajo, sendo prontamente respondido por Lennie Dale:
– É que você ainda não nos viu com nossos paramentos.
– E onde estão eles? – devolveu o empresário levando-os a providenciar a liberação dos tais baús.
Se muitos dos episódios são divertidos, com outros, Tovar precisou também colocar o dedo em feridas. Uma delas diz respeito à dissolução do grupo em 1976. Dale desaprovou o cenário criado pelo amigo para o palco do Teatro Castro Alves, na Bahia, e o fato suscitou uma discussão que culminou numa briga boba, como relembra Tovar:
– Estávamos com nossas coisas ainda na Europa, e fiz um cenário possível dentro das nossas circunstâncias para aquele teatro gigantesco. Lenie desaprovou e discutimos por isso. Nossa separação foi infantil, tola e boba. Podíamos ter conversado mais, mas isso não foi possível…
A vida é esse amontoado de acontecimentos, bons e maus. Alguns deles podem transformar – para melhor – um país. Foi o que fizeram os Dzi Croquettes, conjunto sem precedentes no Brasil, cuja história é agora merecidamente imortalizada.