‘Lula terá de reconquistar o setor antipetista’

outubro 31, 2022

O cientista político Sérgio Abranches fala dos desafios de Lula neste que será o terceiro mandato do presidente eleito

Não há dúvidas de que as eleições do segundo turno do último domingo (30) foram as mais acirradas desde a retomada da democracia, em 1989. O ex-presidente e candidato pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva,  amealhou 50,9% dos votos válidos, derrotando seu adversário, o presidente e candidato pelo PL, Jair Bolsonaro. O cientista político e escritor Sérgio Abranches conversou com NEW MAG e faz um balanço do resultado das eleições, além de falar sobre os desafios que Lula terá de enfrentar nos próximos quatro anos.

– O fato de ter tido uma disputa acirrada tem pouca importância no resultado da vitória. Lula começou de forma muito tímida. Primeiro, ele chamou o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para vice-presidente. O Alckmin foi para o PSD para ficar dentro do espectro dos partidos de esquerda. A medida que a própria sociedade foi construindo essa aliança, ele assumiu a frente com bastante credibilidade. Começou a falar no fim da campanha que não seria um governo do PT e foi entendendo, ao longo da campanha, que o propósito da eleição era dado por aquele conjunto de pessoas que estavam aderindo a candidatura dele e já tinham sido adversários na maior parte do tempo – analisa Abranches.

O cientista chama atenção também para as diferenças entre as conduções de ambas as campanhas. Enquanto a postura adotada pela candidatura de esquerda foi a de agregar valores e apaziguar diferenças, a postura da candidatura do PL foi pelo caminho inverso:

– Bolsonaro reunia-se apenas com os senadores que não tiveram uma voz política muito efetiva, com o setor da extrema direita e com a grande legião de antipetistas, de pessoas que, desde 2013, vêm construindo uma aversão ao partido pela frustração que tiveram na campanha da Dilma Rousseff, que prometeu diminuir a inflação, e também o efeito psicológico que repercutiu na Lava-Jato. Apesar de ter muito voto, a coalisão de Bolsonaro era desordenada pois não contornava nem os projetos. Para que serve essa coalisão? Qual o objetivo dela? Nem isso o Bolsonaro foi capaz de responder.

Chama atenção o fato de, confirmada pelo TSE a vitória de Lula, o presidente não ter se manifestado e permanecer (até o momento) em silêncio. Abranches  tentam explicar a atitude do presidente.

– De repente, ele pode estar apenas deprimido, catalisando a derrota pra poder se posicionar de uma forma mais razoável. Pode também estar imitando o ex-presidente dos EUA Donald Trump, deixando passar o tempo só para reconhecer depois e a contragosto. Ele também tem esse lado de negação, de criar uma realidade paralela na qual ele próprio acredite. É difícil de saber. O que é importante é que, ao mesmo tempo em que foi esperada uma reação de um presidente democrático que, diante da derrota, liga imediatamente para o adversário, houve um posicionamento acertado no reconhecimento da vitória de Lula entre os ministros, principalmente pelo governador eleito de São Paulo,  Tarcísio de Feitas (Republicanos), que aceitou e prometeu contribuir com o governo.

Aos 77 anos, Lula tem um forte compromisso com o povo brasileiro e um longo caminho de desafios nas esferas políticas, sociais, econômicas e globais no decorrer dos quatro anos de governo.

 – Lula vai ter que pacificar uma parte do país, reconquistar esse setor que já votou nele, votou na Dilma e se tornou antipetista. Mostrar boas iniciativas  para provar que não está com nenhum cambalacho de corrupção e escrever um orçamento decente. Ele já deixou um sinal de que vai trazer técnicos como acadêmicos, economistas e sociólogos, que o apoiaram, para compor propostas prontas de combate à fome, pela emergência da educação, da saúde e da economia para derrubar a inflação. Ainda tem a reconstrução de órgãos como o Ibama, o Icmbio, que são importantíssimos e foram desconstruídos pelo Bolsonaro. No plano global, o Lula vai precisar reinserir o Brasil no plano entre as nações democráticas e naquelas que estão cooperando para as mudanças climáticas, que é o tema mais importante. Acho que a própria manifestação de todas essas lideranças de reconhecimento do Lula já deu um passo muito grande – arremata Abranches.

Crédito da foto: Reprodução

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