‘Janja abriu o próprio caminho, e o mérito é dela’

dezembro 16, 2022

Hildegard Angel fala sobre o fim da Comissão de Mortos e Desaparecidos, relembra as posses presidenciais que presenciou e elogia a futura primeira-dama

Quando noticiou o affair entre o então presidente da França Nicolas Sarkozy e a cantora Carla Bruni, Hildegard Angel foi chamada por um jornal estrangeiro de rainha. Hilde, como é carinhosamente conhecida, é mais do que isso. Os longos anos de profissão fazem dela papisa do colunismo social no país. Poucos nomes tiveram, como ela, a oportunidade de acompanhar as posses dos presidentes brasileiros nos últimos 40 anos – de João Figueiredo, o último do governo militar, aos demais eleitos democraticamente. Na vida pessoal, Hilde viveu o luto pelo desaparecimento do irmão, Stuart Angel Jones, e acompanhou de perto o martírio da mãe, a estilista Zuzu Angel (1921-1976) pelo paradeiro do filho até sua morte, em circunstâncias misteriosas. A pretexto do relatório, aprovado na última quinta-feira (15), que prevê a extinção da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, NEW MAG conversou com a jornalista, por telefone, na manhã desta sexta-feira (16). Mulher que sempre defendeu suas opiniões, ela não se esquivou em opinar sobre a futura primeira-dama, Rosângela da Silva, e sobre a escolha de Margareth Menezes para o Ministério da Cultura.

Como recebeu a notícia do fim da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos?

Sem surpresa alguma. Esse governo sempre teve como um de seus objetivos apagar a História. Achei que isso fosse ser colocado em prática já no primeiro dia do mandato e não agora, nos últimos dias e, para mim, a surpresa está nisso: em terem demorado tanto.  Eles sempre quiseram dizimar o ensino, a nossa educação, cortando verbas para as universidades e quiseram implementar a cartilha militar. Eles querem silenciar a nossa História, mas a História sempre será contada.

Você fala em adotar uma cartilha militar no sistema de ensino brasileiro?

Eles queriam implementar nas escolas a cartilha militar. O projeto era esse. Para eles, o que houve foi uma guerra, um combate ao terrorismo. O plano sempre foi o de silenciar a nossa História. Para isso, eles teriam de dizimar todos os historiadores, os pensadores, os intelectuais, os artistas, os descendentes e os familiares de todos os desaparecidos. E isso, para eles, seria uma festa porque é um governo genocida. Eles ficariam felizes no meio de tanto sangue. O que nos conforta é que o ministério já disse que os processos continuarão. A História não acabou e não vai acabar.

Falando em artistas, o que achou da indicação da cantora Margareth Menezes para o MinC?

Não sou a pessoa mais abalizada para falar da escolha da Margareth Menezes. Pelo que sei, ela é uma artista e uma gestora eficiente e sensível. Então, sob esse aspecto, aplaudo a escolha. Agora, havia outros nomes que conheço de perto muito capacitados para comandar o ministério, como a (deputada) Jandira Feghali e o do (historiador e escritor) Célio Turino. Imagino que tenha havido muito critério na escolha do nome da Margareth. O novo governo está tendo muita cautela e começando as coisas com o pé direito.

Pretende ir à posse do presidente Lula?

Se for convidada, vou. Se não, vou reunir uns amigos em casa para acompanharmos a posse pela TV, com a toalha do Lula na janela (Hilde usou um pano com o rosto de Lula no lançamento do livro de seu marido). Vou acompanhar de todo o jeito.

Você teve o privilégio de acompanhar várias das posses presidenciais, não?

A primeira que fui foi a do (João Batista) Figueiredo (último presidente do governo militar), que aconteceu na época de abertura política. Foi uma posse a qual compareceram muitos jornalistas de esquerda, muito por causa do (Said) Farhat, que trabalhou muito para essa aproximação. A segunda foi a do Tancredo, que acabou não acontecendo.

Quais outras posses foram marcantes?

A do Fernando Henrique (Cardoso). Fui à Brasília no jatinho do Dr. Roberto (Marinho), acompanhando ele e a Lily. Foi lá onde conheci (risos) o Enéas (candidato do Prona célebre pela fala rápida no horário eleitoral). As do Lula foram muito marcantes. Lembro de um Réveillon em que ele, de mãos dadas com o querido José Alencar (então vice-presidente de Lula. José Alencar morreu em 2011), falou das coisas que eles pretendiam realizar. Tudo o que foi falado foi realizado.

E qual a que fica na memória?

Certamente a do Tancredo, que foi (presidente) sem nunca ter sido. Os convidados e a imprensa iam chegando, as filhas iam de mesa em mesa cumprimentando os presentes, até que começou a correr o boato de que a posse não aconteceria. Foi um momento único pelo inesperado da situação. Teria sido um acontecimento para o Glauber (Rocha) filmar. A não posse do Tancredo daria um filme.

Depois de acompanhar tantas posses, qual o balanço que pode ser feito?

As posses têm um lado bom que é o de, no nosso caso, podermos reencontrar colegas e amigos jornalistas. Mas há um lado que é cansativo por serem muito concorridas, não necessariamente há lugares para acomodar todo mundo, essas coisas. Valem pelo bochicho. A posse é uma oportunidade de o jornalista fazer contatos para cobrir e acompanhar os anos que virão de governo.

A futura primeira-dama, Rosaângela Silva, a Janja, pode ressignificar a função. Como você vê a chegada dela ao poder?

A Janja abriu o próprio caminho e o mérito é dela, ninguém fez isso por ela. Há essa ideia de que as primeiras-damas não são eleitas, mas, no caso dela, ela e o Lula foram eleitos. E talvez, com isso, ela inaugure algo novo. A primeira-dama não é um apêndice do presidente. Ela estava ao lado do Lula todo o tempo, fez os comícios com ele… Nos EUA, o papel da primeira-dama é institucionalizado. Lá, ela ocupa um gabinete, com funcionários e tem funções e um papel a cumprir. Há datas que cabem à primeira-dama representar o governo. Aqui, isso não acontece. Talvez seja o momento de o novo governo, com auxílio do Itamaraty, dar uma relevância maior à primeira-dama, cuja função precisa ser institucionalizada.

Tivemos dois grandes exemplos de primeiras-damas que primaram pela discrição: Dona Marisa Letícia e Dona Ruth Cardoso. Essa última, inclusive, queria ser chamada de doutora em respeito ao seu doutorado…

A Dona Ruth era uma intelectual, com uma vida acadêmica, era uma mulher dos livros. Ela pode não ter tido uma atuação política, mas teve uma importância imensa no âmbito social. Dona Marisa Letícia era tímida e fez da discrição um estilo de vida. Ela era uma mulher que se vestia muito bem e valorizava, tanto aqui quanto no exterior, os estilistas brasileiros. Se você der um Google, verá que ela sempre esteve bem vestida. Essa é uma das funções de uma primeira-dama: valorizar e ajudar a promover a moda do seu país. Vemos hoje uma tendência de mudança, com a primeira-dama querendo ser chamada pelo prenome: “sou Rosângela”. Esse novo olhar para a função pode ser muito bom para as mulheres.

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