‘Informação é um bem à sociedade’

setembro 29, 2023

Carlos Henrique Schröder, ex-CEO da TV Globo, lança consultoria e fala sobre novos desafios, relembra Tim Lopes e assegura que o bom jornalismo não há de morrer

Competência é uma marca de Carlos Henrique Schröder. Ela o acompanha desde o início da carreira no Rio Grande do Sul, seu estado natal, onde atuou na Folha da Tarde e na RBS. A mudança para o Rio de Janeiro dá-se em 1984, quando inicia uma trajetória na TV Globo que duraria 38 anos. Na emissora, encarou de tudo: foi produtor do Hoje, integrou a equipe de editores do JN até alcançar cargos de chefia como os de diretor de Jornalismo e o de diretor de Criação e Conteúdo da empresa, da qual se desligou em 2021. Irrequieto e criativo, aventura-se agora por ramos novos: a gastronomia e a consultoria. A primeira mostrou-se uma ideia Absurda (literalmente). A confeitaria, aberta juntamente com a chef Luciana Plaas, sua mulher, vai de vento em popa e o mesmo já pode ser dito da Hands On. A consultoria, recém-lançada em sociedade com o advogado Leonardo de Campos Melo e com as executivas Patrícia Dalpra e Marisa César, tem por propósito auxiliar empresas e pessoas públicas a cuidarem de sua imagem e reputação sem esquecer do impacto. “As empresas geralmente não pensam no que chamamos de vulnerabilidades”, conta ele nesta entrevista ao NEW MAG. O ex-CEO da Globo comentou o episódio envolvendo estudantes de Medicina, aponta a morte de Tim Lopes  (1950-2002) como um divisor de águas na carreira e assegura que o bom jornalismo há de resistir.

A relação com o Meio Ambiente é um dos pilares de sustentação da Hands On.  Acha que o Brasil precisa sentir na pele os estragos provocados pelas mudanças climáticas para acordar de fato para esta questão?

Já deveria ter acordado. O que estamos vendo agora já é consequência da falta de atitudes, vamos falar assim, tanto de governos quanto da população, para uma conscientização que já deveria ter acontecido. Essa angústia entre as datas de 2030 e 50, relacionada às metas para baixar a temperatura e reduzir carbono, já poderia ter acontecido através da educação ambiental, o que não se fez no Brasil. O que acontece no Meio Ambiente é a conta que estamos pagando antecipadamente dessa falta de conscientização e de educação em relação a esses temas.

Outro pilar da consultoria é o de gestão de crises. Muitas empresas no Brasil só se dão conta da importância de investir em Comunicação diante de um incêndio. Por que não há no país a visão da gestão de crise como algo preventivo?

Essa é uma das nossas propostas. As empresas geralmente não pensam no que chamamos de vulnerabilidades. E, às vezes, uma crise eclode justamente por falta desse pensamento. Se as empresas se perguntassem: onde estamos falhando?, o que pode ser um ponto de fraqueza?, poderia se corrigir para evitar que algo pior aconteça.

Podemos citar um exemplo prático?

Vou citar como exemplo a questão da Saúde. Quando você procura um hospital ou um posto de saúde com o intuito de evitar a doença, você terá uma situação melhor de longevidade. Muitas vezes não vamos ao médico e, quando precisamos, acaba acarretando um acúmulo de atendimentos nos hospitais. É o mesmo que acontece numa crise. A gente é frágil, vulnerável e conseguiria uma longevidade maior se elas fossem evitadas.

Recentemente vimos o episódio que envolveu estudantes de Medicina, conhecido como “punhetaço”. Foi o caso de uma crise ou o da falta de uma base educacional mais sólida?

Não colocaria esse episódio no caldeirão da crise… Foi um problema muito específico porque envolve pessoas e não uma entidade. O episódio envolve fatores como falta de educação, falta de conscientização, um excesso de liberalismo que ocorreu recentemente no país e que pode acarretar em casos como esse. As pessoas precisam entender que viver em sociedade acarreta no encontro entre a sua liberdade e a do outro – e há um limite entre essas liberdades.

A Globo foi a primeira TV aberta brasileira a exibir imagens dos ataques às Torres Gêmeas. Qual foi o maior desafio enfrentado no tempo em que chefiou o jornalismo na emissora?

Acho que o momento mais difícil é quando o impacto de uma notícia provoca um efeito na equipe com que você trabalha. Pode não ser o fato mais relevante do ponto de vista histórico. Quando morre um colega na redação, como ocorreu com o Tim Lopes, isso tem um efeito sobre a equipe muito mais emocional do que qualquer outro fato que aconteça em relação ao país. Então, a morte do Tim Lopes foi um momento muito agudo da nossa relação interna por ter mexido com cada um dos nossos companheiros. Foi um momento muito delicado, muito sentimental e nos levou a várias reflexões sobre caminhos a seguir a partir daquele episódio.

Muitos jovens saem hoje despreparados das faculdades de Comunicação, muito mais interessados em ser influenciadores. O bom jornalismo está com os dias contados?

Acho que não. Quando notícias falsas são difundidas, as pessoas tendem a procurar pela informação correta e verdadeira, tendem a procurar as fontes reais da informação e, assim, teremos a afirmação do jornalismo correto ao longo do tempo. As fake news vão se diluindo com o tempo, porque evidentemente as formas de controle irão aumentar e vamos ter o jornalismo real, correto se expandindo cada vez mais. Informação é um bem à sociedade.

Hoje as principais emissoras de TV têm canais dedicados exclusivamente ao jornalismo. Como vê a relação do público com a informação nos próximos cinco anos?

Isso é imprevisível do ponto de vista da audiência. O que te asseguro é que a relação com o jornalismo é de permanência. Para mim, a informação é um bem. Então, canais de informação, sejam eles jornais impressos ou digitais, são o caminho para uma relação construída ao longo do tempo. Acho que as pessoas precisam disso que chamo de ambiente de credibilidade. Os canais de informação, sejam os jornais ou as TVs a cabo, tendo credibilidade, terão audiência e ela vai gerar fidelidade. Essa relação vai existir ao longo do tempo. Não vai diminuir, pelo contrário. As pessoas precisam estar informadas para tomar decisões na vida, e os canais que trazem a informação verdadeira vão contribuir para as tomadas de decisão da sociedade.

Vamos falar de prazeres: a Absurda é um sucesso. O que te levou a investir numa confeitaria?

A Absurda é um projeto da minha mulher (a chef Luciana Plaas) com um amigo muito querido, o Henrique Rossanelli, confeiteiro. Eles trabalharam juntos anos atrás. Quando surgiu a oportunidade, fizemos um projeto em conjunto. Estou apoiando na gestão, e eles tocam o dia-a-dia. O resultado é muito legal e positivo. Brinco que é o meu momento de terapia e de lazer. Gosto de conversar com os clientes e de ter essa relação mais leve.

Então o jornalismo é uma página virada na sua vida?

O jornalismo está no meu DNA. Ele não sai de mim, evidentemente. O que fiz nesse período foi me dar um descanso, pois precisava, depois de 38 anos na empresa. O jornalista nunca sai de você e continuo acompanhando as notícias e os fatos, isso vai permanecer. Agora, dedicação específica ao jornalismo vai ficar mais distante. Minha carreira no jornalismo teve, sob o meu ponto de vista, resultados muito positivos, então não preciso me preocupar em voltar a isso. É natural que seja assim.

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