Por Rodrigo Fonseca*
Respeitada pela fama de ser um dos maiores festivais de cinema do mundo, ao lado de Cannes, Berlim, Veneza e Locarno, a maratona audiovisual de San Sebastián, no norte da Espanha, é famosa por escalar cineastas de prestígio para a presidência de seu júri, o que se confirma em 2023 com a escolha de uma realizadora premiada, vista como ícone feminista: a francesa Claire Denis. Combates ao colonialismo, ao racismo e ao sexismo frequentam a obra de realizadora de “Com amor e fúria” (Melhor Direção na Berlinale 2022) desde sua estreia no audiovisual, em 1971, quando engatou uma trajetória como assistente de direção ao lado de Costa-Gavras, Wim Wenders e Jim Jarmusch. O trabalho mais recente que fez por trás das câmeras, “Stars at noon”, pelo qual ganhou o Grande Prêmio do Júri na Croisette, acaba de estrear no Brasil via streaming, disponível para aluguel na Amazon Prime, além de ser encontrável na Apple TV, no Youtube Movies, na Claro TV e no Vivo Play.
— Uma vez, rodei um projeto num inverno nova-iorquino e árduo e comecei a prestar atenção no modo como o elenco se contorcia de frio, encontrando em seus rostos uma paisagem rica de sentidos. Foi dali que eu entendi que o cinema precisa me levar ao que existe de incomum e de inesperado nas reações das pessoas — disse a cineasta ao NEW MAG.
Debruçada sobre as páginas de um novo roteiro, para filmar nos próximos meses, a diretora de 77 anos lidera um time de juradas e jurados que inclui a atriz chinesa Fan Bingbing; a produtora e diretora colombiana Cristina Gallego; a também francesa Brigitte Lacombe, fotógrafa; o diretor alemão Christian Petzold; o produtor húngaro Robert Lantos; e a estrela espanhola Vicky Luengo. Essa plêiade de artistas tem 16 longas-metragens para avaliar. Os mais elogiados pela crítica internacional até aqui são “All dirt roads taste of salt”, de Raven Jackson, e “Ex-husbands”, de Noah Pritzker; e “Kalak”, de Isabella Eklöf. Em recente entrevista por telefone ao NEW MAG, ela explicou que tem parentes no Brasil, em Belém do Pará e no Rio.
— Fiquei preocupada com eles durante a pandemia. Estava nos EUA, levantando um projeto quando a covid-19 nos pegou de surpresa e precisei voltar correndo antes que os aeroportos fechassem”, lembra a diretora — Durante o confinamento, fiquei pensando quando iria a um cinema de novo.
Cultuada por “Nenette e Boni” (Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, em 1996), “Bom trabalho” (1999), “High life” (2018) e outras pérolas, Claire foi rodar “Stars at noon” no Panamá, embora a trama que se passe entre lá e a Nicarágua dos dias de hoje, apesar das várias referência ao tempo da revolução sandinista, entre os anos 1980 e 1990. A base do longa foi o romance homônimo de Denis Johnson, que a cineasta devorou há uns treze anos. Margareth Qualley (a estrela da série ‘Maid’) é a protagonista.
— Tive o prazer de ter uma atriz que corre riscos, que investiga — conta Claire.
Trish, a personagem de Qualley em “Stars at Noon” é uma repórter que vive mal às custas do Jornalismo, em especial na América Central, pra onde escolheu viajar. A viagem partiu de um princípio de indisfarçável xenofobia:
— Eu queria ver o tamanho que o Inferno pode ter, por isso vim.
A fotografia do filme é de Éric Gautier.
— Conheci um elenco latino-americano muito dedicado e muito potente — diz a diretora.
Em sua sessão de clássicos revisitados, San Sebastián resgata o fenômeno argentino “Nove Rainhas” (“Nueve Reinas”, 2000), de Fabián Bielinsky, o filme que apresentou Ricardo Darín ao Brasil, antes de “O filho da noiva” (2001), também estrelado por ele, concorrer ao Oscar. Cheia de reviravoltas, a trama acompanha os percalços de dois vigaristas (Darín e Gastón Pauls, laureados com um prêmio duplo de Melhor Interpretação no Festival de Biarritz) para enganar um filatelista com uma coleção de selos rara. O festival espanhol termina no dia 30 de setembro.
*enviado especial ao Festival de San Sebastián
Créditos da imagem: SSIFF / Alex Abril