A informação exige, muitas vezes, sobriedade. Ela pode ser tratada com empatia e —por que não? – charme. A jornalista Marcia Peltier soube aliar essas qualidades, demonstradas ao longo de mais de quatro décadas de carreira. Ao longo desse tempo, ela brilhou na TV, em bancadas como a do “Sem Censura”, enveredando também por vertentes como a de entrevistas (na TV e no rádio) e pelo colunismo, exercido no Jornal do Brasil e no Jornal do Commercio. O dia a dia na imprensa foi conciliado com o prazer da escrita, externado em obras dedicadas à poesia e à literatura infantil. Pois Marcia está de volta à literatura. Ela lança “Os tempos do destino – Reflexões sobre os ciclos da vida e sobre a sabedoria dentro de nós” (Rocco), na próxima terça (15), na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro. “A vida precisa de poesia, de amor e de esperança”, reconhece. Em entrevista por telefone ao NEW MAG, ela rememora momentos importantes da sua trajetória no jornalismo, que levou-a conhecer pessoas como o sociólogo Herbert de Souza (1935-1997) e a países como a ex-União Soviética. E a jornalista não titubeia ao apontar para a missão desempenhada por ela: “Mediar debates políticos foi o que vivi de mais desafiador”.
Você volta à literatura 11 anos depois de seu último livro, reunindo agora reflexões e pensamentos que só a maturidade pode proporcionar…
Esse livro começou a ser escrito em 2020, quando o mundo parou e nós também paramos, num processo de desprendimento que estendeu-se até o ano passado. Essa pausa nos levou à reflexão e nos reconectou com nossos tempos internos. Voltar à escrita foi muito importante para o meu momento e para o que eu estava vivendo em relação ao mundo.
Com o que foi mais prazeroso e difícil de lidar nesta volta?
Escrever nunca é tranquilo. Lembro de, numa entrevista com o Fernando Sabino, ele dizer que escrever era sentar-se diante do computador e deixar o corpo sangrar. Neste processo, você não vai mentir para si mesmo, e certas verdades machucam. Esse sentimento precisa, então, ser metabolizado. O mais prazeroso foi ver o livro pronto. Com ele, a Rocco inaugura um selo voltado ao autoconhecimento, vertente à qual a editora quer se dedicar também.
Você faz uso muito assertivo das redes sociais em vez de optar por um discurso autorreferente. As redes já estão banalizadas ou ainda podem nos surpreender?
Há uma exposição exacerbada do ego nas redes, e certas pessoas vivem ali vidas paralelas à vida real. Busco mais informação do que autoexposição, e isso foi decisivo para eu encontrar meu caminho ali. Adoro assistir a séries e tenho ali um veículo para compartilhar dessas experiências. Gosto de compartilhar pensamentos, como fazia na coluna do Jornal do Brasil, e um uso que tenho feito é o de publicar registros sociais, de aniversários de amigos, como fazia no colunismo, claro que sob um espectro diferente agora.
Em 1990, você migra da Globo para a TVE (hoje TV Brasil), onde apresentou o Sem Censura. Foi difícil tomar essa decisão?
Naquela época, o âncora apresentava e não opinava. Lembro de o Armando Nogueira recomendar que atentássemos às expressões do rosto, e eu queria fazer algo como os âncoras norte-americanos que opinavam e comentavam. Quando avisei que sairia da Globo, meu editor, Alberico Cruz, não acreditou. Roberto Marinho me chamou à sua sala para saber o porquê da minha saída. Disse a ele que havia aprendido muito na Globo e que precisava encarar os desafios de um programa ao vivo.
Na Manchete, teve mais autonomia e pôde realizar projetos pessoais…
Tive oportunidade de conversar ao vivo na bancada do Jornal da Manchete com nomes como o Betinho (o sociólogo Herbert de Souza) e com Leonel Brizola, para dar dois exemplos. Ter passado por essas experiências foi muito importante.
Na eleição presidencial de 1989, ainda na Globo, você teve oportunidade de fazer reportagens com as primeiras-damas. Qual delas te surpreendeu mais e porque?
Dona Mora (mulher de Ulysses Guimarães), uma mulher centrada e muito forte. Dona Neuza (Brizola) também tinha, mas ela não quis dar entrevista (havia um entrevero entre Brizola e a TV Globo). Algumas das primeiras-damas eram inexperientes, sem uma trajetória pública, à exceção da Dona Mora.
Qual a entrevista mais difícil já feita?
Mediar debates políticos foi o que vivi de mais desafiador na TV, mais até do que fazer documentário na ex-União Soviética. Num debate político são muitas as vertentes com que o mediador tem de lidar e imprevistos são inevitáveis.
Você e Claudio vivem uma relação pautada pela parceria e pela serenidade. O amor na maturidade é mais vantajoso ou o fato de ele ser do meio ajudou a te compreender mais?
As duas coisas. Nós nos conhecemos quando trabalhamos na Manchete – eu no jornalismo; ele ajudando o doutor Adolfo (Bloch) a reestruturar a empresa. Nos víamos pouco e nos reencontramos agora, e esse reencontro foi bonito. O fato de você ter vivido outras experiências faz com que fique mais concentrado no que de fato importa numa relação. A maturidade tem essa vantagem.
E como anda a Marcia poeta?
Sabe que nesse livro incluí alguns poemas? Não posso negligenciar esse meu lado. O livro começa com reflexões provocadas pelo Eclesiastes e abre espaço também à autorreflexão e incluí, por isso, alguns poemas. A vida precisa de poesia, amor e de esperança. Se a gente negligencia esses valores acaba desaparecendo.
Importante isso de você voltar à poesia, à qual dedicou seus primeiros livros…
Os tempos vão e voltam e o mesmo vale para as emoções. A impermanência é um fato. A gente precisa entender os momentos e fazer escolhas de como queremos lidar com eles.
Como vê o futuro do jornalismo escrito?
O ser humano procura aquilo que lhe convém e satisfaz. Durante muito tempo, nos guiamos pelas mídias tradicionais, mas isso mudou. Eu mesma sigo sites internacionais que trazem fatos que sequer repercutem no Brasil. Conheço pessoas que ainda leem o jornal impresso. Outros, se satisfazem com as notícias do dia na internet. A informação está mais democrática e também mais banalizada. O importante é não perdermos a curiosidade em discernir o que é verdade.
A inteligência artificial te atrai ou te intimida?
A inteligência artificial traz vantagens relacionadas ao conforto e ao bem-estar. Há ganhos inegáveis no campo da medicina. Adoro a Alexa, por exemplo. Poder pedir para ela músicas significa uma praticidade. Agora, quanto ao fato de a inteligência artificial adquirir uma autonomia total quântica precisamos pensar a respeito. O fato de uma tecnologia poder vir a ter a capacidade de fazer conexões e tomar decisões importantes é preocupante. Li, esses dias, a declaração de um cientista que dizia que isso será possível no futuro. Uma instância autônoma e incapaz de sentimentos como compaixão e amor é algo que me preocupa.
Créditos: Christovam de Chevalier (texto e entrevista) e Andrea Marques (foto)