‘Há um desprezo pela grandeza da vida cultural brasileira’

abril 8, 2022

Gilberto Gil toma posse na ABL e fala ao NEW MAG sobre o veto à Lei Paulo Gustavo

“É nesta condição, de primeiro representante da Música Popular do Brasil a ser eleito por esta instituição, que aqui estou”. Com esse reconhecimento, o cantor e compositor Gilberto Gil, um dos grandes nomes da nossa música,  abriu seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, onde, na noite da última sexta-feira (08), assumiu a cadeira de número 20. Se a cerimônia de posse da atriz Fernanda Montenegro foi histórica, a de Gil não ficou atrás. O novo imortal louvou sua ascendência e saudou a memória do fundador da Casa, o escritor Machado de Assis (1839-1908).

– Entre tantas honrarias que a vida generosamente me proporcionou, esta tem, para mim, uma dimensão especial. Não só porque aqui é a Casa de Machado de Assis, escritor universal, afrodescendente  como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa, mesmo para quem a critica, a instância maior que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador de cultura em nosso país – destacou Gil.

O cantor e compositor também ressaltou a importância da ABL no sentido de fortalecer os artistas e agentes culturais nesse momento em que o obscurantismo impede a realização e a difusão do conhecimento:

– A Academia Brasileira de Letras é a Casa da Palavra e da Memória Cultural do Brasil. E tem a responsabilidade grande no sentido de fortalecer a imagem intelectual do país, que se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância e da demagogia de feição antidemocrática. Poucas vezes na nossa história republicana, o escritor, o artista, o produtor de cultura foram tão hostilizados como agora. Há uma guerra em prol da “desrazão” e do feito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos. A Academia Brasileira de Letras tem muito a contribuir nesse debate civilizatório. Eu gostaria efetivamente de colaborar para o debate em prol da cultura e da justiça.

A noite contou com a presença de nomes da música como Adriana Calcanhotto, Carlinhos Brown e Mart’nália, e personalidades como as atrizes Regina Casé e Fernanda Torres, além da pneumologista Margareth Dalcolmo. Alguns dos filhos do artista como a cantora Preta Gil e a apresentadora Bela Gil também compareceram, como antecipado aqui. Antes de seu discurso, o compositor trocou alguns dedos de prosa com o NEW MAG.

Como o senhor, que foi ministro da Cultura, vê o veto à Lei Paulo Gustavo pelo presidente da República?

Acho ocioso a gente ficar comentando a maneira, o modo como o governo atual do Brasil enfrenta as questões da Cultura. Essa administração brasileira atual não olha de frente para a Cultura, ela olha de viés, através dos vieses que interessam, digamos assim, aos próprios vieses ideológicos que têm os ocupantes desse governo. Desde o primeiro momento até agora, há um desprezo pela grandeza da vida cultural brasileira, pela diversidade, pela variedade da vida cultural brasileira. Esse desprezo é muito explícito. Então, temos de aguardar outros momentos para que a gente pense na possibilidade de que o Estado brasileiro na sua representação maior, que é o governo federal, olhe de frente para a Cultura. Que ele veja no horizonte toda a dimensão, toda a largura da Cultura brasileira. Por enquanto, temos de aguardar.

Seus filhos e netos seguem na carreira artística.  Nesse momento em que há todo esse desprezo pela Cultura, com falta de investimentos, isso preocupa o senhor?

Minha preocupação maior, digamos assim, é a de oferecer a eles os meios, o espaço, os recursos, minha própria acumulação em termos de prestígio, em termos de renome etc… A preocupação é a de ajudá-los nesse sentido. Quero que eles avancem e que utilizem tudo o que eles têm em casa, o pai que eles têm, o avô que eles têm. Que tudo isso seja usado em benefício do próprio arranque deles, na maneira como eles queiram trabalhar na vida cultural, que eles aproveitem um pouco da “acumulação” feita por mim.

O senhor já usou o fardão na capa do seu LP de 1968 (detalhe foto). Qual a sensação de usar o fardão de fato agora?

Ali era uma ironia dura. Agora é a vida real (risos).

Com a colaboração de Carlos Cruz.

 

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