‘Há dispersão no ambiente de novela’

março 21, 2025

Bruna Lombardi lança nova edição do seu romance de estreia e fala da relação com a TV e com o tempo, além do convívio com Mario Quintana e Walter Avancini, “um diretor obcecado”

Bruna Lombardi não é mulher de maias palavras – e nem de meias verdades. Ela entrou na vida dos brasileiros muito jovem, como modelo fotográfica, e – fazendo jus a um de seus versos – voou alto, ao mesmo tempo em que fincou pés em terrenos que vão da TV (onde atuou e fez entrevistas) à Literatura (recentemente teve sua obra poética reunida), passando pelo teatro e pelo cinema. Múltipla, mostrou, em 1990, nova faceta: a de romancista. “Filmes proibidos” (Record) volta às livrarias,35 anos após lançado, em edição revista e ampliada pela autora, que lança a obra neste sábado (22), em São Paulo e, no  Rio de Janeiro, no dia 08 de maio. “O mundo mudou muito, e as nossas emoções continuam conosco”, reconhece, serena e exuberante aos 72 anos ao NEW MAG. Nesta entrevista, Bruna fala de vida e dos aprendizados trazidos pela maturidade ou pelas conversas no “Gente de expressão”, exibido pela  extinta TV Manchete. Bruna relembra também o convívio com os escritores Caio Fernando Abreu (1948-1996) e Mario Quintana (1906-1994), de quem foi musa, e com o diretor Walter Avancini (1935-2001), com quem construiu um dos mis importantes personagens da sua carreira: Diadorim na minissérie “Grande sertão: veredas”.

Você é escritora, poeta, atriz, produtora de cinema, foi modelo e entrevistadora… Como naquele poema, nunca teve medo de voar…

Nunca tive medo, e o voo é para mim uma necessidade. Estamos fadados a viver presos no chão e, sem esse paralelo propiciado pelo voo, fica difícil de segurar essa barra que é a de viver.

Você estreia como romancista em 1990, fechando uma década pautada pela epidemia da Aids, hiperinflação, morte do Tancredo, o primeiro presidente civil após a ditadura…  Escrever ficção foi uma forma de exorcizar esses fantasmas?

Foi. O que a gente tem de melhor é o nosso lado lúdico. A personagem central tem 30 anos e quis que fosse alguém jovem, no limiar entre a constatação das derrotas da humanidade e a esperança por um mundo melhor. O mundo mudou muito dos anos 1990 para cá e tive, com esta nova edição, oportunidade de reescrever trechos e incluir textos inéditos, deixando o livro ainda mais fiel a mim. Não tínhamos internet, redes sociais e nem um algoritmo nos direcionando. Vivíamos rudimentarmente pautados pelas emoções. O mundo mudou muito, e as nossas emoções continuam conosco.

Ouvindo você, lembrei de um escritor que foi seu amigo: Caio Fernando Abreu…

O Caio está presente neste livro! Fomos amigos e, nas nossas conversas, ríamos e falávamos também de coisas muito sérias. O Caio era de uma sensibilidade imensa, um ser humano em carne viva. Ele tinha muito humor e, às vezes, era muito defensivo também, e tinha razões para isso. O mundo dele não era simples, e a vida dele não foi fácil.

Walter Avancini, que te dirigiu em “Grande sertão: veredas”,  tinha a qualidade de ser um exímio diretor de atores. Qual a lembrança que você guarda do convívio com ele?

O Avancini era um diretor obcecado e obsessivo pelo trabalho. Ele não tinha vida pessoal, e a vida dele era o set. Ele vivia aquilo 100% e exigia de nós, atores, a mesma devoção que a dele. E isso possibilitou com que fizéssemos aquele grande mergulho na obra do Guimarães Rosa, o que não teria sido possível numa novela…

Por que?

Há muita dispersão no ambiente da novela. E o próprio gênero não te possibilita nenhuma profundidade, pelo fato de ser uma obra aberta e sujeita à opinião do público. No caso do “Grande sertão”, pudemos ir fundo. Uma minissérie te permitia isso, e o Avancini queria esse mergulho absoluto.

Diadorim foi interpretado recentemente pela Luiza Arraes no teatro e no cinema. Chegou a assistir ao filme?

Ainda não tive oportunidade de assistir ao filme. Isso de me dividir entre o Brasil e os Estados Unidos não possibilitou que o visse quando estava sendo exibido por aqui. Quando a Bia Lessa estava preparando a montagem teatral, ela me convidou para uma conversa com os atores, o que foi muito bom.

Você foi musa do poeta Mario Quintana e, de quando em quando, o visitava em Porto Alegre. Qual a lembrança mais afetuosa que tem dele?

Eu estava lançando meu livro na Feira do Livro de Porto Alegre quando vi um senhor na fila. Olhei bem, vi que era o Mario Quintana e tomei um susto!. Ficamos amigos e mantivemos o compromisso de nos ver uma vez por ano. Ter participado daquela feira me possibilitou conhecer grandes nomes como Rubem Fonseca  e Clarice Lispector. Imagina o que isso significou para mim, uma estreante… Tive a sorte de ser acolhida por nomes como Ferreira Gullar e o Chico Buarque, que fez o prefácio para um dos meus livros (“No ritmo dessa festa”, em 1976). A vida me deu  essa sorte de ser bem recebida por esses grandes escritores.

Que me venha esse homem, parceria com David Tygel, tornou-se um carro-chefe no repertório da Fafá. Como se estabeleceu essa parceria?

Essa música foi uma das surpresas que tive com a poesia. O texto foi musicado e, quando vi, estava sendo cantado pela Fafá de Belém. A mesma surpresa eu tive quando a Bethânia incluiu um poema meu em uma apresentação recente  (o recital “Bethânia e as palavras). A poesia é um acontecimento particular na vida de cada pessoa. Ela é lida e relida… Quem gosta de poesia, lê um livro e o revisita, lendo-o aleatoriamente às vezes. A poesia demanda esse acompanhamento, e é bonito de ver essas surpresas, de como ela chega na vida das pessoas, como aconteceu com a Fafá e com a Bethânia, que também já fez um prefácio para mim.

Em  Oração ao tempo,Caetano fala de fazer um acordo com essa entidade. Qual o saldo que você faz do teu acordo com o Tempo?

Sim, ele é “um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho”. O tempo é sábio e nos ensina muito. Às vezes, você pode estar passando por algum perrengue e ele vem e te fala para pegar leve, simplificar aas coisas. A conversa com o Tempo é demorada, mas é maravilhosa. E saber escutá-lo é uma dádiva.

Certa vez, ao fim de uma entrevista com o Harrison Ford,ele disse que você ouvia as respostas e que não competia com o entrevistado. Sente saudade de fazer entrevistas?

Entrevistar é uma coisa que adoro. Sou movida pela curiosidade pelo ser humano e sou que nem você: faço meu dever de casa para que a conversa flua da melhor forma. Claro que cada pessoa tem as suas particularidades e algumas conversas são melhores do que outras. Mas, durante as entrevistas, aprendi muito sobre aquelas pessoas e sobre o ser humano. E isso foi, para mim, um grande prazer.

Depois desse elogio, encerro com uma pergunta gaiata a partir de um verso seu: ainda gosta dos venenos mais lentos?

Sem sombra de dúvidas! Eles são os melhores (risos)!

Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e Rede Felicidade (imagem)

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