Guardiã e garimpeira do samba

abril 20, 2025

Cristina Buarque, que morreu neste domingo (20), tem seu legado comentado por grandes nomes da música

“O samba perde hoje sua maior guardiã”. Com essa frase a cantora e compositora Joyce Moreno traduz com precisão a relação de Cristina Buarque de Hollanda com o gênero musical. Relação pautada pelo zelo e pela devoção, evidentes (e audíveis) nos álbuns gravados por Cristina, que nos deixou neste domingo (20), aos 74 anos, em razão de complicações decorrentes de um câncer.

A íntérprete de timbre delicado e preciso vinha à reboque da pesquisadora (ou vice-versa), que acabaria por trazer à luz pérolas de grandes nomes do samba como Cartola (1908-1980), Manacéa (1921-1995) e Ismael Silva (1905-1978), compositor-referência também para aquele que, apartir de 1966, se tornaria o mais célebre de seus irmãos: Chico Buarque. É de Cristina a voz ouvida juntamente com a de Chico em “Sem fantasia”, composta originalmente para o musical “Roda viva” e registrada em dueto no terceiro LP do cantor e compositor.

A verve de pesquisadora influenciaria duas de nossas mais talentosas cantoras da atualidade: Marisa Monte e Monica Salmaso. O samba “Esta melodia” (Bubu da Portela e Jamelão), gravado por Marisa no CD “Cor de rosa e carvão”, fora lançado por Clementina de Jesus (1901-1987) e gravado também por Cristina, cuja produção fonográfica foi constante entre 1974, quando faz sua estreia em disco, e 1981.

Cristina seria considerada referência também para intérpretes dos quilates de Teresa Cristina e Zélia Duncan. Ecos desta pesquisadora (em especial do álbum “Ganha-se pouco, mas é divertido”, de 2000) podem ser ouvidos subinarmente em “Eu me transformo em outras”, gravado por Zélia quatro anos depois.

Muitas dessas pérolas eram garimpadas em reuniões e saraus promovidos por ela na cobertura de sua mãe, Maria Amélia Cesário Alvim (1910-2010), em Copacabana. Nas ocasiões, a própria Cristina comandava também o fogão, de onde saíam cozidos memoráveis. O cantor e compositor Pedro Miranda frequentou alguns deles e lembrou dos encontros com carinho.

“Ela era assim.Dona de um acervo e uma generosidade imensos, quando a gente menos esperava,chegava com uma playlist numa dessas mídias que não se usa mais”, escreveu numa rede socialo artista, que chegou a gravar com Cristina em dois momentos distintos.

O temperamento reservado de Cristina, comumente avessa a holofotes, foi destacado por sua sobrinha-cantora, Bebel Gilberto, em uma rede social:

“Minha tia loura arisca, da voz mais doce do samba… Que todos os anjos, incluindo Memélia e Mamãe, te recebam com muito juízo e alegria. Te amo”.

Cristina se vai. Ficam os álbuns. Eles não são muitos (se comparados aos de nomes de sua geração), mas têm uma característica que os faz preciosos: a relevância. E estão agora aí, à espera daqueles que os queiram (re)conhecer.

Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e reprodução (imagem)

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