Glória a Gil

junho 19, 2023

Gilberto Gil reúne a família em show histórico que festeja seus 80 anos e, sobretudo, seu amor à Deusa Música

Um dos retratos mais fidedignos de Dorival Caymmi (1914-2008) foi pintado por Gilberto Gil. Mais exatamente em “Buda nagô”, a quarta faixa do CD “Parabolicamará”, lançado em 1992. Gil tinha na época 50 anos e traduziu com maestria o que Caymmi, então com 78 anos, representava no panteão da Deusa Música. O Tempo Rei se encarregou de, 30 anos depois, fazer de Gil também um Buda Nagô. Às vésperas de completar 81 anos, ele estreou, no último fim de semana, a turnê nacional do show “Nós, a gente”, no qual reúne a família para festejar os 80 anos que completou no ano passado.

Foram três noites no Qualistage, casa de shows na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, com ingressos esgotados. Mais de 8 mil espectadores estiveram nas duas primeiras noites e, no último domingo (18), com o salão transformado em pista de dança, mais de 9 mil.

As cortinas abrem-se com o patriarca em cena acompanhado de 15 familiares, entre filhos (quatro), netos (nove), uma nora e uma bisneta. E vemos que reunião de família pode, de vez em quando, ser um barato. Um barato total, no caso. A canção, lançada por Gal Costa (1945-2022) em 1973, abre mui apropriadamente os trabalhos.

Gal é, aliás, um dos muitos nomes homenageados ao longo da noite. À cantora e a Maria Bethânia, aniversariante do último domingo, Gil dedicou “Esotérico”, cantada pela dupla no histórico show dos Doces Bárbaros. Rita Lee (1947-2023) foi merecidamente saudada em dose dupla: com “De leve”, versão para “Get back”, que Gil resgatou de “Refestança”, show feito com ela em 1977, seguida de “Ovelha negra”, cantada no mesmo show.

E as homenagens seguem com “Garota de Ipanema”, clássico de Tom Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980), reavivado pelo timbre límpido de Flor, sua neta. A letra é cantada também em inglês, e o tributo resvala a Astrud Gilberto (1940-2023). João Gilberto (1931-2019), que deu a Gil régua e compasso, é reverenciado com “O pato”, na qual o artista é acompanhado com precisão pelo violão do neto Bento, num set que incluiu ainda “Metáfora”, do LP “Um Banda Um”, numa alusão ao célebre Verão da Lata.

Sim, na lata do poeta cabem belezas de ontem, hoje e sempre. São os casos de “Amor até o fim”, lindamente interpretada por Nara, a mais velha do clã, e por “Deixar você”, que ganhou jeitão soul e cool na voz de Francisco, filho de Preta Gil e integrante dos Gilsons, que atacaram ainda com “Várias queixas”, sucesso do trio.

O tema do Olodum abre alas para a volta de Preta ao palco com “Sinais de fogo”, seu primeiro sucesso radiofônico. A plateia, já arrebatada, delira. A artista manda ainda “Vá se benzer”, em mais uma homenagem à Gal, sua madrinha e com quem gravara a canção. No número, o microfone é aberto a alguns espectadores darem seus recados, muitos deles de incentivo à artista.

Ela volta então ao o coro e reforça com propriedade o recado de “Andar com fé”, além de incrementar o backing em “Nos barracos da cidade”, “Vamos fugir” e “Toda menina baiana”. O show chega ao fim, e a noite é arrematada com “Aquele abraço” no bis.

Sim, o Rio de Janeiro continua lindo ainda que, muitas vezes, o sistema nos diga não. Para isso, Gilberto Gil vem, como o Super-Homem da canção, nos restituir a glória. Ele veio para a festa, sem precisar ter na testa o deus Sol como sinal. Nosso Buda Nagô é o próprio sol, chama acesa por Xangô. Babá Alapalá!

Crédito das imagens: Geovane Peixoto

O clã reunido para os aplausos finais. Aquele abraço!

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