‘Francisco tinha uma sensibilidade muito forte’

abril 21, 2025

Frei Betto fala do humanismo do Papa Francisco, da discordância com as políticas de Donald Trump e sobre os rumos da Igreja Católica com o novo conclave

Se teve alguém que deixou seu legado de fraternidade, humildade e compaixão pelos mais pobres, esse alguém foi o Papa Francisco. E ninguém melhor para falar sobre os ensinamentos do pontífice do que Frei Betto, frade dominicano, escritor e teólogo que tem sua trajetória marcada pela luta pelos Direitos Humanos. Em bate-papo exclusivo com o NEW MAG, o Frei também fala sobre as perspectivas para o futuro da Igreja Católica, que perdeu seu líder nesta segunda-feira (21).

Desde a escolha de Jorge Bergoglio de seu nome como papa, ele já deu um indicativo do lado humanista pelo qual seguiria ao longo de todo o seu pontificado, como destaca o frei:

— Ter escolhido o nome de São Francisco de Assis mostrou a sua opção pelos pobres, em defesa dos direitos humanos e da preservação. Ele foi o único papa até agora que assinou uma encíclica, que é o documento mais importante a ser emitido por um papa, sobre a preservação ambiental, onde inclusive ele denuncia as causas da degradação, mostrando que não são naturais. Elas resultam do sistema capitalista, vitimizam sobretudo os mais pobres, e ele inclusive escreveu esse texto com muitos toques poéticos. Francisco tinha uma sensibilidade muito forte na escrita, tanto de se fazer entendido por todos e todas, como também de usar muita poesia, e não só citações teológicas, citações de papas anteriores, como muitas encíclicas fazem.

O frei também falou sobre a postura radical do Papa Francisco na defesa dos imigrantes, que aportam em países ricos, como os da Europa e os EUA, em busca de sobrevivência. 

—  Se eles estavam saindo dos seus países, não era por veleidade turística, ou porque queriam morar num país rico, mas porque eles não tinham condições de viver nos seus países de origem. Se eles pudessem voltar, eles fariam isso imediatamente. Francisco deixava muito claro, por exemplo, que não concordava com a política de Trump — comenta o frei, que ainda recorda o último encontro oficial do papa ocorrido no domingo (20) — Ele deve ter dito isso ao Vance (vice-presidente dos EUA). Felizmente essa conversa deve ter sido não só gravada como testemunhada por outros bispos e cardeais.

A influência do presidente dos EUA, Donald Trump, e de líderes de extrema-direita, inclusive, era uma preocupação do Papa Francisco para o próximo conclave, a eleição que vai escolher o seu sucessor na liderança da Igreja. O frei acredita que o próximo pontífice não deve ter ideias muito diferentes das de Francisco:

— Eles farão todo tipo de pressão, mas o legado de Francisco é muito forte. Por outro lado, essa pressão tem que ser feita agora, porque depois quando fecham as portas do conclave não tem como interferir. Não sou ingênuo, sei que vai ser um conclave atribulado, possivelmente vai demorar um pouco mais de uma semana, que para hoje em dia é considerado um tempo longo, e sim, vai ter ali muita disputa, mas acredito que nós teremos a eleição de um cardeal afinado com o Papa Francisco. Ele criou condições no colégio cardinalício para dar continuidade às suas reformas.

O frei encontrou Francisco em duas oportunidades, em 2014 e em 2023. Em ambas, ele reafirmou seu apoio ao pontífice pela luta dos direitos dos mais pobres e também pediu ao Santo Padre que defendesse a valorização das mulheres. 

— Pedi a ele que sempre valorizasse a mulher, vencer essa misoginia que tão fortemente marca a Igreja Católica ainda hoje. Também falei do bloqueio a Cuba e que ele pudesse intervir junto à Casa Branca para pelo menos flexibilizar isso, porque é um bloqueio também genocida. E ele foi muito atencioso, muito acolhedor, enfim, me deu muito apoio. Nós tínhamos uma sintonia muito forte — arremata.

Créditos das imagens: reprodução (alto) e Johnny Moises

Frei Betto é escritor, teólogo e defensor dos Direitos Humanos

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