por Rodrigo Fonseca*
Fortalecida pelo apoio de seu governo desde 1999, quando “Tudo sobre minha mãe”, de Pedro Almodóvar, faturou cerca de US$ 70 milhões mundo afora, a indústria cinematográfica da Espanha sorri de orelha a orelha diante da avassaladora recepção ao filme catástrofe “A sociedade da neve (“La sociedad de la nieve”) nas primeiras horas do 71° Festival de San Sebastián. Criado em 1953, o evento faz parte de uma espécie de G7 de luxo das maiores mostras competitivas do audiovisual, ao lado de Roterdã, Berlim, Cannes, Locarno, Veneza e Toronto.
Sua adesão história a esse Grupo dos Sete Mais de seu setor abre espaço para a Netflix entrar em sua grade com força. Eis a presença da produção espanholas dirigida por J. A. Bayona, encarada como prata da casa, e já selecionada pelas autoridades culturais ibéricas para ser o representante espanhol na disputa por uma vaga na corrida ao Oscar 2024.
Realizador de “O Impossível” (2012), sobre tsunamis na Tailândia, e da série Amazon Prime “O Senhor dos Anéis: Os anéis do poder” (2022), Bayona foi ovacionado pela forma tecnicamente exuberante (e assustadora) como revive um episódio desastroso para a aviação civil da América Latina. A trama recria a queda de um avião com a seleção de rúgbi do Uruguai na Cordilheira dos Andes em 1972.
Se a Netflix investir devidamente em sua carreira na temporada de premiações do fim deste ano e início do ano que vem, tem fortes chances de conquistar a estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. É difícil não pular da poltrona com a sequência do choque da aeronave uruguaia com os Andes e é difícil não roer as unhas diante das avalanches que acossam os sobreviventes do voo.
Bayona conversa com clássicos da telona como “Inferno na Torre” (1974) ao reviver o calvário
dos atletas e outros passageiros. O filme virou “O” assunto da cidade, chamada de Donostia
em basco. Localizada no norte da Espanha, numa área de 60 km² banhada pelas águas do Golfo da
Biscaia, San Sebastián foi fundada em 1180 e entrou para a rota mundial do turismo por seus
apetitosos pintxos, iguarias que misturam queijos, presunto serrano, mariscos, peixes e geleia
em rodelas de pão.
A edição deste ano de seu festival, de número 71, começou neste sexta (22), com a projeção hors-concours da animação japonesa “The Boy and the Heron” (“Kimitachi Wa Do Ikiru Ka”), do mestre Hayao Miyazaki. Aos 82 anos, ele receberá um prêmio honorário na abertura do evento, que realiza todas as suas cerimônias com tradução para uma língua local, o Euskera, considerado o idioma mais antiga da Europa.
Nesse ambiente de praia, a aclamada realizadora francesa Claire Denis (de “Com amor e fúria”) vai assumir a presidência do júri. Ao lado de Claire estarão a atriz chinesa Fan Bingbing; a produtora e diretora colombiana Cristina Gallego; a também francesa Brigitte Lacombe, fotógrafa; o produtor húngaro Robert Lantos; a estrela espanhola Vicky Luengo; e o diretor nº 1 da Alemanha, Christian Petzold, que vai exibir lá o festejado “Afire”, ganhador do Grande Prêmio do Júri da Berlinale, em fevereiro. Essa plêiade de artistas tem 16 longas-metragens para avaliar.
Estão em concurso: “All dirt roads taste of salt”, de Raven Jackson (EUA); “A journey in spring”, de Tzu-Hui Peng e Ping-Wen Wang (Taiwan); “Un amor”, de Isabel Coixet (Espanha); “Ex-husbands”, de Noah Pritzker (EUA); “Fingernails”, de Christos Nikou (EUA); “Great absence”, de Kei Chika-Ura (Japão), “Kalak”, de Isabella Eklöf (Dinamarca) e “MMXX”, de Cristi Puiu (Romênia), entre outros.
O Brasil não tem protagonista na caça à Concha, mas terá dois títulos na mostra competitiva Horizontes Latinos: “Pedágio”, de Carolina Markowicz, e “Estranho caminho”, de Guto Parente. O festival segue até o dia 30.
*enviado especial ao Festival de San Sebastián