Elegância é uma das marcas de Edgar Moura Brasil, um dos mais importantes nomes ligados à Decoração no país. Pioneirismo é outra de suas características, e ela vale tanto para o seu trabalho quanto para a vida pessoal. Edgar foi casado por quase 50 anos com o novelista Gilberto Braga (1945-2021). Os dois assumiram o relacionamento anos-luz antes de as conquistas da população LGBTQIA+ serem tratadas como direitos civis. E Edgar viu de perto o surgimento de obras-primas da teledramaturgia como “Dancin Days”, “Água viva”, “Vale tudo” – que capturou a atenção do país em 1988 – e de séries (“Anos Dourados” e “Anos rebeldes”) que colocaram o novelista no panteão dos grandes nomes da teledramaturgia. A vida desse mestre da fabulação é contada agora em “Gilberto Braga, o Balzac da Globo” (Intrínseca), que será lançado na próxima terça (30), na Livraria da Travessa do Shopping Leblon. O livro foi uma iniciativa da jornalista Anna Ramalho (1949-2022) que, encampada pela editora, foi delegada a Artur Xexéo (1951-1921) e finalizada pelo também jornalista Maurício Stycer. E o resultado é aplaudido por Edgar, que tem também parte de sua história esmiuçada na obra. “Ter quarto e banheiros separados é salutar na vida”, sentencia ele, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. Na conversa, Edgar rememora características do antigo parceiro, fala sobre sua relação com a TV, critica a banalização da profissão de decorador e revela estar num novo relacionamento. “O Gilberto aprovaria e ficaria feliz com isso”, reconhece com reverência.
Quais as suas impressões sobre a biografia?
As melhores possíveis. Trata-se de um trabalho importante para a preservação da memória do Gilberto. Ainda mais num país como o nosso que não tem memória. Não li o livro pronto, mas a prova final, e ele abarca bem a trajetória do Gilberto e o trabalho desenvolvido por ele na teledramaturgia.
Gilberto tinha um bom gosto nato, mas foi você o responsável por aproximá-lo de nomes da nossa sociedade, que inspiraram alguns de seus personagens. O próprio Gilberto me disse que a Stella Simpson de Água viva tinha algo da Beki Klabin…
Não me acho o responsável por isso. Na medida em que as novelas foram fazendo sucesso, as pessoas foram se aproximando e, no caso de determinados grupos, foram abrindo guarda para ele. O mérito é dele próprio.
Qual outra influência marcante você lembra em outro personagem do Gilberto?
Na própria “Água Viva”, a personagem da Betty Faria (Lígia) foi inspirada na Glorinha Pires Rebelo. Vou contar um hábito que não está no livro. Quando estava às voltas com uma nova novela, o Gilberto abria sua agenda telefônica e a folheava, página a página. Ele passava os olhos pelos nomes e pensava nas características daquelas pessoas, se alguma delas poderia inspirar uma personagem.
Você e Gilberto foram pioneiros ao assumirem uma união, quando o país estava ainda sob uma ditadura, e foram pioneiros também ao preservarem suas privacidades, tendo cada um o seu quarto. Veio dessa decisão o segredo para uma relação tão longeva?
Pode até ter sido. Ter quarto e banheiros separados é salutar na vida. Essa sugestão foi minha pois nunca havia dividido quarto com ninguém. Quando um casal briga, uma das partes acaba dormindo na sala ou no escritório e conosco não havia isso. Quando brigávamos, cada um tinha o seu quarto. E quando dormíamos juntos era sempre a partir de um convite. Um virava para o outro e propunha: dorme aqui hoje?
Você tem um nome consolidado no mercado da Decoração, tendo participado de importantes mostras relacionadas ao segmento. Como vê a profusão de programas dedicados à decoração na TV? O segmento ficou banalizado ou está mais valorizado?
Ficou banalizado como outros segmentos da arte, como a música e o cinema. Todo mundo hoje tem um quê de decorador. Acho que os programas na TV mostraram que todo mundo pode, de alguma maneira, realizar aquilo, e o segmento acabou nivelado por baixo.
Gilberto teve o projeto de uma novela engavetado pela TV Globo. Essa decisão afetou o entusiasmo dele com o trabalho?
Acredito que não, até porque isso já havia acontecido com outro projeto. Esse projeto (a novela “Feira das vaidades”) fora uma encomenda da própria TV Globo e acabou engavetado pois o orçamento ficaria muito dispendioso para a emissora.
Nos últimos anos de vida, mesmo com o Gilberto debilitado, vocês preservavam hábitos como o de jantar nos restaurantes que ele gostava. Com o que foi mais difícil de lidar nos últimos momentos?
Com o fato de o Gilberto ficar cada vez mais dependente, cercada por enfermeiros e ajudantes o tempo todo. Fora o fato de ele privar-se das coisas que gostava. Ele chegou a ir à nossa casa em Angra muitas vezes, mas, nos últimos dois anos, não viajava mais para o exterior, o que passei a fazer sozinho.
Como é a sua relação com a TV? Ainda acompanha as novelas ou migrou para as séries do streaming?
Não sou ligado em TV. O uso que faço é o de me manter informado, através do noticiário. Quanto a assistir a novelas, via as do Gilberto, pelo prazer que me davam, e às do Sílvio de Abreu por gostar muito do estilo dele.
Pensa em se relacionar de novo?
Já estou me relacionando de novo. O Gilberto aprovaria e ficaria feliz com isso.
Posso perguntar com quem?
Em breve você vai conhecê-lo.
Assim como Janete Clair deixou uma marca, pelo que acha que o Gilberto será lembrado nas próximas décadas?
Gilberto será lembrado pela sua modernidade, e isso mudou o estilo de se fazer novelas no país. Ele sempre levou às suas tramas temas importantes ou da atualidade. E isso se deu também com as tramas de época, como em “Anos rebeldes”, que inspirou a juventude a ir às ruas e culminou na derrocada do (então presidente Fernando) Collor.
E a biografia está à altura desse autor?
Está sim. Se o Gilberto estivesse vivo, teria acrescentando algumas outras coisas, mas ele não teve esse tempo. Qualquer dia, escrevo a continuação dela.
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