‘Estou duplamente em festa’

junho 27, 2024

Adélia Prado compartilha poema no qual externa a gratidão pela escolha de seu nome para o Prêmio Camões

Adélia Prado estava na sua casa em Divinópolis (MG), quando, na tarde da última quarta-feira (26),  foi chamada ao telefone. Do outro lado da linha, a ministra da Cultura de Portugal, Dalila Rodrigues. A interlocutora queria dar de viva voz a notícia de que a poeta mineira fora escolhida para receber o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa e dos países lusófonos.

Adélia tem mesmo motivos para comemorar – e todas as credenciais para ser celebrada. Ao receber a notícia, a escritora, um dos grandes nomes da poesia brasileira, estava ainda sob o efeito de outra boa notícia, recebida semana passada: a de que receberá também o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. O ano está ainda no meio, mas já se pode dizer que é de Adélia Prado.

Na mesma noite em que foi agraciada com a notícia do Camões, Adélia compartilhou com seus contatos, por e-mail, um poema de sua autoria ao qual recorreu para externar sua alegria e gratidão pelas indicações, como ela própria disse na mensagem:

“Foi com muita alegria e emoção que recebi, hoje (ontem), dia 26 de junho, um telefonema da sra. Dalila Rodrigues, ministra da Cultura de Portugal, me informando que fui agraciada com o Prêmio Camões. Estava ainda comemorando o recebimento do Prêmio Machado de Assis, da ABL, e agora estou duplamente em festa. Quero dividir minha alegria com todos os amantes da língua portuguesa, esta fonte poderosa de criação. Na tentativa de expressar meu mais profundo sentimento de gratidão, peço a um de meus poemas que me socorra”.

O texto escolhido é “O nascimento do poema”, incluído originalmente na coletânea “O pelicano”, publicada em 1987. Na obra em questão,  confrontam-se erotismo e religiosidade, duas marcas na escrita de Adélia. NEW MAG reproduz o poema a seguir:

O NASCIMENTO DO POEMA

O que existe são coisas,

não palavras. Por isso

te ouvirei sem cansaço recitar em búlgaro

como olharei montanhas durante horas,

ou nuvens.

Sinais valem palavras,

palavras valem coisas,

coisas não valem nada.

Entender é um rapto,

é o mesmo que desentender.

Minha mãe morrendo,

não faltou a meu choro este arco-íris:

o luto irá bem com meus cabelos claros.

Granito, lápide, crepe,

são belas coisas ou palavras belas?

Mármore, sol, lixívia.

Entender me sequestra de palavra e de coisa,

arremessa-me ao coração da poesia.

Por isso escrevo os poemas

pra velar o que ameaça minha fraqueza mortal.

Recuso-me a acreditar que homens inventam as línguas,

é o Espírito quem me impele,

quer ser adorado

e sopra no meu ouvido este hino litúrgico:

baldes, vassouras, dívidas e medo,

desejo de ver Jonathan e ser condenada ao inferno.

Não construí as pirâmides. Sou Deus.

Adélia Prado estreou na literatura em 1976 com a coletânea “Bagagem”. E contou, para tanto, com o incentivo de um dos maiores nomes da poesia brasileira: Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Reconhecida por outros grandes poetas, Adélia viu aumentar o interesse do público por sua poesia a partir da década seguinte e muito em razão do teatro. Fernanda Montenegro levou à cena textos da autora no solo “Dona Doida”, com o qual viajou o país lotando os teatros pelos  quais passou.

A escritora mineira publica, desde os anos 1970, obras de poesia e em prosa, contabilizando oito títulos de poesia e cinco de ficção. E viva Adélia Prado!

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