A turnê do álbum “Paratodos” é um marco na carreira de Chico Buarque. E o dia 06 de fevereiro de 1994 ficou na memória do artista e na dos fãs que lotavam o Canecão. Naquela noite, Chico encerrava a temporada do show no Rio de Janeiro e, finda a apresentação, no bis, acabou por voltar 10 vezes ao palco. E tem mais: sentada na primeira fila, Gal Costa (1945-2022) subiu ao palco para duas canjas, uma delas em “Biscate”, do álbum que originou o show.
Ao longo das 22 apresentações de “Paratodos” no Rio de Janeiro, Chico cantou para 46.200 pessoas. E o mais impressionante: no bis, voltou ao palco 49 vezes ao longo da temporada. Essas são apenas algumas das curiosidades garimpadas pelos jornalistas Luiz Felipe Carneiro e Tito Guedes em “Os 50 maiores shows da História da Música Brasileira” (Belas Letras), que está em pré-venda no site da editora e será lançado em março no Rio de Janeiro.
E a dupla escolheu como ponto de partida um encontro que fez história: o show que reuniu simplesmente João Gilberto (1931-2019), Tom Jobim (1927-1994), Vinicius de Moraes (1913-1980) e Os Cariocas em 1962 no Au bon gourmet, em Copacabana, Zona Sul da cidade. A partir dele, os autores elencam histórias sobre shows como “Roberto Carlos a 200km por hora”, que marcou a estreia do cantor no Canecão em 1970, e “Falso brilhante”, icônico espetáculo de Elis Reginaapresentado em 1975 e que originou o álbum homônimo, lançado no ano seguinte.
– Eu e Tito temos gostos semelhantes e há uma interseção interessante entre eles, o que ajudou muito a dar uma diversidade ao livro. Sou uma pessoa mais ligada ao rock dos anos 1980 e 90 enquanto o Tito é mais da MPB. Veio dele, por exemplo, a sugestão para incluirmos o show do Elymar santos no Canecão, além de shows da Daniela Mercury e da Ivete Sangalo – explica Carneiro ao NEW MAG, salientando que optaram somente por shows apresentados no Brasil.
E a obra traz informações preciosas sobre apresentações mais do que memoráveis; históricas. Uma delas é o show “Barra 69”, último antes de Caetano Veloso e Gilberto Gil partirem para o exílio no referido ano. Os dois precisavam juntar dinheiro para a viagem e queriam se despedir dos fãs, daí a ideia da apresentação. Acontece que os militares impuseram vários obstáculos `a iniciativa, e as tratativas levaram meses até que uma patente da caserna intercedeu a favor. Seu nome? O coronel Luiz Artur, então responsável pelos artistas, em prisão domiciliar na Bahia.
Os dois jornalistas ficaram entre a cruz e a espada até chegarem aos 50 espetáculos escolhidos. Escolha de Sofia foi pouco, uma vez que, a cada martelo batido, uma nova lembrança vinha à tona.
– Não quisemos repetir shows de um mesmo artista, só fazendo isso quando eram apresentações em conjunto como no caso dos Doces Bárbaros. E foi um verdadeiro quebra-cabeças. No caso da Gal, escolhemos o “Gal a todo vapor”, mas poderíamos muito bem ter escolhido “O sorriso do gato de Alice”. No caso da Bethânia, a gente escolheu o “Rosa dos ventos”, mas poderia ter sido o “Imitação da vida” – destaca Carneiro ressaltando a seguir: – Uma lista nunca vai ser definitiva. Brinco que se o livro fosse sobre os mil maiores shows, faltariam outros tantos.
O que vale é a iniciativa e seu resultado. Com o belo livro, os autores contribuem em mitigar um pouco do que já era uma preocupação de Elis em 1978: de o Brasil não conhecer o Brasil.