Certa vez, em idos dos anos 1970, Abel Silva foi tomado de súbito pela ideia de um poema. O texto, um soneto de forte influência camoniana, foi relido no dia seguinte e enviado pelo correio a Sueli Costa, que, na época, morava a poucas quadras do poeta. No bilhete que acompanhou o poema, a recomendação: “Se não gostar, rasga ou joga fora”.
O poema em questão era “Jura secreta”, que marca o início de uma das mais profícuas parcerias da MPB. Ele e a compositora, que faleceu na manhã deste sábado (04), aos 79 anos, se tornariam mais que parceiros: amigos, compadres (Sueli era madrinha de André, filho de Abel) e confidentes. Em depoimento ao NEW MAG, Abel contou que, algum tempo depois de enviado o poema, recebe um telefonema com a boa nova:
– Nossa música será gravada pela Simone.
– Sueli, deve estar havendo um engano – devolveu, indagando a seguir: – Que música?
– “Jura secreta”, o poema que você me enviou – esclareceu Sueli.
Gravada por Simone no LP “Face a face”, de 1977, a canção acabou sendo o carro chefe do disco. E seria um divisor de águas nas vidas da cantora e nas dos dois autores, cujos nomes se tornariam conhecidos em âmbito nacional.
A canção, uma das mais belas da música brasileira, por pouco não teve seu refrão alterado por implicância de um executivo da EMI, na qual o LP foi gravado. O tal sujeito implicava justamente com os versos “Só uma palavra me devora\Aquela que meu coração não diz”.
– Ele achava que as pessoas não iriam entender – rememora Abel que, hoje, faz troça da implicância: – E o que aconteceu foi justo o oposto: o público entendeu, e a música foi muito bem executada nas rádios e é cantada por Simone até hoje nos shows.
A sugestão de modificar o refrão caiu por terra após o tal executivo perguntar à compositora se Abel toparia a alteração.
–Liga para ele – rebateu Sueli que, criada em Juiz de Fora (MG), sabia ser lacônica quando queria.
“Jura secreta” foi gravada por diferentes intérpretes como Zizi Possi, Lucinha Lins, a pianista norte-americana Joyce Collins e, mais recentemente, por Zélia Duncan. Fagner, que a gravou também de forma pungente, foi um dos primeiros a conhecê-la, como lembra Abel:
– O Raimundo (Fagner) morou comigo e com Lena (mulher de Abel) num apartamento em cima do Bar Lagoa, e ele, assim que a ouviu, disse que também iria gravá-la, o que aconteceu pouco depois de a Simone lançá-la.
Aquela parceria, que modificou a vida de seus autores e de sua primeira intérprete, modificaria também as vidas de muitos outros brasileiros. Hoje, só uma coisa nos entristece: perder Sueli Costa, compositora de raro quilate. Que ela descanse em paz.