A importância de Cacá Diegues vai para além da maneira como criou uma filmografia à moda brasileira. Ele notabilizou-se como pensador e intelectual do nosso país, chegando a ocupar a cadeira número 07 da Academia Brasileira de Letras, além de expor reflexões nas suas crônicas dominicais em O Globo. Nesta sexta-feira (14), o povo brasileiro despede-se deste mestre, que morreu aos 84 anos.
Em sua homenagem, NEW MAG procurou nomes importantes do nosso cinema para celebrar o diretor, que assinou clássicos como “Joanna Francesa” (1973),“Bye, bye, Brasil” (1980) e “Deus é brasileiro” (2003), entre tantos outros.
A atriz e cineasta Ana Maria Magalhães esteve com Cacá em alguns trabalhos e destaca o tamanho do impacto de sua perda para a nação.
— Cacá foi um dos responsáveis pela mudança de paradigma e fundação do cinema brasileiro moderno. A constituição da cinematografia brasileira levou nossas obras ao reconhecimento internacional, que permanece até hoje, haja visto o sucesso de “Ainda estou aqui”. Ele distinguiu-se como cineasta em tantas obras, mas também como articulista atento aos novos talentos, às mudanças no audiovisual e às relações entre o cinema e o poder. Trabalhei com Cacá em “Quando o carnaval chegar” (1972), que homenageia a produção artística independente, em uma filmagem extremamente divertida. Também me deu o prazer de dançar com Jeanne Moreau em “Joanna Francesa”. Hoje é um dia triste para todos nós. Cacá vai fazer muita falta como cineasta e pensador da cultura — lamenta Ana Maria, que também atuou em “A idade da Terra”, último filme de Glauber Rocha (1939-1981), outro ícone do Cinema Novo.
Cacá não pensava em aposentadoria. A produtora Glaucia Camargos conta que ele trabalhava em um novo filme.
— Perdemos um artista brasileiro, um verdadeiro cidadão do bem! Ficaremos menos iluminados, menos inteligentes e mais tristes. Pensar em Cacá Diegues é pensar no Brasil. Sua obra e vida melhoraram o nosso país. Em nosso último encontro, no almoço de Natal, ele me garantiu que até o final de março teríamos um roteiro de seu próximo filme, que será rodado, com certeza, no firmamento — recorda ela.
Já a diretora Malu de Martino ilustra como Cacá foi importante para a formação das novas gerações de cineastas com um caso pessoal.
— Quando comecei a filmar meu primeiro longa, “Mulheres do Brasil” (2006), li os diários de filmagem que ele fez em “Deus é brasileiro”. Filmei em Alagoas, como ele — conta ela, que completa: — Ele sempre teve uma atitude muito positiva e firme com relação ao cinema e suas políticas públicas, tudo que foi possível interferir, ele fez. É uma perda não só de um cineasta, mas de uma grande mestre, pensador e filósofo que pensava também no cinema brasileiro como uma coisa mais ampla, não só um filme para se assistir, mas a identidade do povo brasileiro e tudo que a gente mais quer quando se faz um filme no Brasil.
O crítico de cinema Rodrigo Fonseca chama a atenção para o seu jeito de filmar e pensar suas produções.
— Carregado de influências da Antropologia, o cinema de Cacá Diegues fazia a cartografia de um povo por um viés raramente potencializado pela academia, o amor. Mesmo em seus trabalhos mais críticos, como ‘Joanna Francesa’, ele olhava pra nós (e por nós) com um lirismo que transcendia seu ferramental teórico, sempre presente em sua escrita. Uma escrita que o levou a ser imortalizado na ABL e transformou os domingos do Segundo Caderno d’ O Globo numa Biblioteca de Alexandria brasileiríssima, tão brasileira como seu modo de filmar… sempre com esperança. Caiu na estrada com “Bye bye Brasil”, sua obra-prima, e nela encontrou um farol para iluminar a produção audiovisual da Retomada (com “Tieta do Agreste”) e da contemporaneidade, num aceno com nossas heranças católicas (“Deus ainda é Brasileiro”, inédito até agora), revisadas por ele sob um prisma decolonial. Partiu sem pedir licença à nossa saudade e vai fazer uma falta danada — avalia o jornalista.
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