‘Cazuza era pé quente’

setembro 6, 2024

Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, lança livros sobre o compositor, enaltece Jão e Caetano e critica a falta de campanhas sobre o contágio pelo HIV

Mãe Coragem é um termo que vem bem a calhar quando se trata de Maria Lúcia da Silva Araújo. Ou simplesmente Lucinha Araújo, como é carinhosamente chamada e popularmente conhecida. Ela deu ao mundo um dos mais importantes nomes da música brasileira. É ela a mãe de Agenor Miranda de Araújo, o Cazuza (1958-1990), artista que mudou paradigmas culturais e comportamentais no país nos anos 1980. Cazuza tem sua importância corroborada por dois livros que, juntos, fazem mais do que compor o grande mosaico que foi sua persona artística. São eles a fotobiografia “Protegi teu nome por amor” e “Meu lance é poesia”, primeira grande reunião dos escritos do artista. As edições foram organizadas pela própria Lucinha juntamente com o poeta Ramon Nunes Mello e chegam às livrarias pela WMF\Martins Fontes, Gegê Produções e pela Sociedade Viva Cazuza, instituição criada por ela um ano depois da perda do filho. “Guardei tudo o que se possa imaginar do Cazuza”, conta ela ao NEW MAG. Lucinha elogia, a seguir, Jão e Glória Groove credita à falta de campanhas o aumento da infecções pelo HIV entre os jovens e revela ter voltado a cantar entre amigos.

Cazuza tem enfim sua obra poética reunida em livro, com 27 dos textos inéditos. Por que ficaram guardados todo esse tempo?

Por que foram aparecendo ao longo dos anos… Já havia feito uma edição com as letras dele, mas vi que era o momento de fazer uma mais completa, com os escritos da juventude, as canções feitas com o Barão e os poemas da maturidade. Está tudo ali.

Já a fotobiografia traz mais de 700 imagens do Cazuza… Alguma delas te surpreendeu?

Não porque a maioria delas saiu do meu acervo. O que aconteceu é que, em razão do livro, tomei conhecimento das séries de onde saíram fotos que conhecia uma ou outra apenas. Muita coisa me foi cedida pelos fotógrafos e, quando não podiam ceder, fui e comprei.

A mãe coruja deu lugar à detentora de um acervo precioso… A corujice valeu a pena então?

Ah, valeu! Olha, eu guardei tudo o que você possa imaginar do Cazuza: dos sapatinhos de quando ele era bebê à última bandana usada no palco. Queria ter tido outros filhos, mas calhou de ter tido apenas um. A vida quis assim e assim foi.

A Sociedade Viva Cazuza foi criada com o propósito de acolher crianças HIV soropositivas e auxiliar suas famílias. Com os avanços científicos, a transmissão durante a gravidez caiu quase 90%…

Caiu mais até, e isso vem de um trabalho que é feito há 32 anos. Hoje, amparamos as famílias de HIV soropositivos. E quando alguém me procura, alegando dificuldade para adquirir um medicamento, vou e ajudo. A arrecadação dos direitos autorais do Cazuza é usada com essa finalidade. Não abro mão disso.

No entanto, o número de casos de infecção entre jovens voltou a crescer. O que é necessário para mudar esse quadro?

A Aids saiu de moda, né? A gente liga a TV e não vê mais campanhas esclarecendo sobre as formas de contágio. E, com isso, as pessoas foram esquecendo dela. A Aids e o câncer são doenças que acometem uma parcela grande da população, sendo que a Aids pode ser evitada. Mas os jovens estão aí transando sem proteção. De qualquer forma é sempre melhor se proteger.

Você cantava para os amigos, gravou LP e teve música em novela… Qual sua relação com a música hoje?

Minha relação com a carreira musical acabou quando meu filho começou a fazer sucesso. O fato de você cantar bem é muito pouco para consolidar uma carreira musical. Outros fatores são importantes para isso. No meu caso, fui da RCA Victor e meu trabalho foi feito sem nenhuma interferência do João (Araújo, marido de Lucinha e presidente da Som Livre). O mesmo vale para o Cazuza, que trilhou seu caminho. Chegou um momento em que o João passou a ser apontado como o pai do Cazuza. Ah, e voltei a cantar para os amigos.

João tinha o plano de ter sua vida contada em livro. Há a ideia de dedicar um projeto à memória do João?

O João tinha de fato a vontade de ver sua vida contada num livro e chegou a começar esse projeto com pessoas diferentes, sem nunca ficar satisfeito com os resultados. Se você pensar bem, ele levantou a Som Livre do nada e merece ter sua trajetória contada num livro. Não tirei essa ideia da minha cabeça, e o  Marcelo Castello Branco (executivo da música) é um entusiasta dela.

Recentemente, canções do Cazuza foram interpretadas pelo Jão. Além dele, quais novos talentos da cena musical chamam sua atenção?

O Jão já passou da esfera de uma grande promessa na música e é um talento, que responde hoje pela maior bilheteria do país, um feito considerável. E ele ainda demonstra ter bom gosto quando escolhe canções do Cazuza para cantar. Fora o fato de ser um menino muito correto e centrado em relação à carreira. Outra artista que adoro é a Glória Groove. Sou totalmente a favor da juventude.

E do pessoal das antigas, como você mesma diz, quem ainda te arrebata?

Adoro todos os meus amigos da música, mas sou louca pelo Caetano (Veloso). Qualquer coisa que ele faça me emociona.

O filme sobre o Cazuza completa 20 anos. Como foi se ver interpretada por uma atriz do quilate da Marieta Severo?

Você sabe que, dia desses, arrumando meus papéis, encontrei um bilhete muito afetuoso da Marieta, em que ela dizia que o amor que devotei ao Cazuza era algo que ela nunca esqueceu, pela grandeza que o amor tem para ela. A Marieta é formidável e me interpretou muito bem. Não somente ela, mas o Daniel Oliveira (intérprete de Cazuza no filme). Todos os atores que interpretaram o Cazuza tiveram muita sorte nas suas carreiras, tanto o Daniel quanto o Emílio Dantas (que viveu Cazuza no teatro). Cazuza era pé quente.

Cazuza viu, em fins dos anos 1980, o futuro repetir o passado… O que a Lucinha vê para o Brasil nos próximos dez anos?

Meu filho, tenho 88 anos e não sei se terei tempo de ver alguma grande mudança nos próximos anos, até porque não quero morrer decrépita. Desejo toda sorte do mundo ao Brasil e que a música brasileira se mantenha triunfante!

 

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