‘Cássia é minha amiga’

novembro 25, 2022

Paulo Betti fala sobre carreira, casamentos, política, colegas e o Brasil de hoje

O que faz um ator ser grande? Talento e versatilidade? Inteligência e inventividade? Todos esses requisitos se aplicam a Paulo Betti. O artista completou 70 anos colecionando grandes papeis no teatro, no cinema e na TV, veículo que tornou sua figura muito querida pelo público. Dia desses, foi abordado por uma fã com a pergunta: “você não era o Paulo Betti?” “Ainda costumo ser”, devolveu de forma espirituosa. O episódio é narrado por ele em “Autobiografia autorizada”, monólogo no qual revisita a infância e adolescência no interior de São Paulo e homenageia seus pais e avós, descendentes de italianos. Paulo é o temporão e o  15º filho de uma empregada doméstica e de um pedreiro. Se a infância foi de privações, afeto e estímulo nunca lhe faltaram. Os estudos levaram-no ao teatro, no qual firmou-se como um dos nossos mais importantes artistas. Tudo isso é contado no palco, seu habita original, num espetáculo divertido e, de tão sincero, comovente. “Não quero abrir mão disso nesse momento”, conta ele ao NEW MAG, por telefone, no trajeto para Santo Antônio do Monte (MG), onde apresentou o solo na última quinta-feira (24). No bate-papo, Paulo fala sobre casamentos, e suas relações com a imprensa, o ofício – e colegas como Cassia Kis – e sobre o Brasil de hoje.

Você viveu o Téo Pereira quando o jornalismo online ganhava vulto e começava o declínio do jornalismo impresso. O Teo tinha um quê de caricato, mas era também muito real. Hoje mais do que nunca, não?

Sim, e isso é uma pena. Dia desses, vi uma foto de alguém exibindo a primeira página de um jornal chamado “Folha do Brasil”, com uma manchete mentirosa. Quem não sabe que aquilo é inventado, acredita e cai na armadilha, o que é muito perigoso. O Téo era um vilão diferente porque tinha como arma algo que estava sendo inaugurado, que é esse jornalismo pautado pela mentira e que, hoje, são chamadas de fake news.

Você já se envolveu em muitos imbróglios por causa desse tipo de imprensa?

Muitas vezes. Certos veículos te procuram já buscando uma determinada resposta, pegam uma declaração, a tiram do contexto e está feito o estrago. Como costumo falar abertamente, facilito esse tipo de coisa. Recentemente, dei uma declaração infeliz sobre o goleiro do Palmeiras (Weverton) que me deixou em maus lençóis com os torcedores do clube (Paulo criticou a reza do goleiro antes e depois da partida). Conversei com todos que se dispuseram a me ouvir, um a um e pedi desculpas ao Weverton, que é hoje o terceiro goleiro da Seleção.

Você foi casado com a Eliane Giardini e com a Maria Ribeiro e, hoje, está casado com a Dadá Coelho, todas atrizes e mulheres empoderadas. Isso foi algo que aconteceu naturalmente?

Isso sempre aconteceu por acaso, nunca foi algo planejado. A afinidade é algo muito importante numa relação e, pelo fato de serem duas pessoas de um mesmo universo, a afinidade acaba favorecida. Quando saio para assistir algo é bom estar com alguém que tenha os mesmos interesses. Agora, tenho como amigos casais formados por pessoas completamente diferentes e que se dão muito bem.

No teu caso e no da Dadá, um acaba ajudando o outro a decorar o texto…

A Dadá e eu trocamos muitas opiniões sobre o trabalho um do outro. Ela é, ainda por cima, comediante, então acabo roubando piadas dela (risos). É importante você se relacionar com alguém que entenda o que você faz, que não seja uma pessoa leiga e que tenha um posicionamento sobre o teu trabalho. O que acho mais legal é que tenho uma relação boa com minhas ex-mulheres, e a Dadá se dá muito bem com elas também.

Na peça, você lembra uma situação divertida envolvendo o saudoso Chiquinho Brandão e Maitê Proença. Qual a situação mais inusitada vivida num estúdio ou num ensaio?

Foi uma cena com a Beth Goulart no filme “A casa da mãe Joana”, do (Hugo) Carvana. Era uma cena de transa em que a Beth vivia uma dominatrix. Ela estava toda paramentada e eu lá, praticamente pelado. Foi uma cena muito divertida de fazer. O Carvana tinha esse dom de deixar leve o set de filmagem.

Antonio Pitanga disse, em entrevista ao NEW MAG, que você, Antonio Grassi e o saudoso Sergio Mamberti foram fundamentais nas ideias para o Ministério da Cultura. Você também foi um dos idealizadores da Casa da Gávea. Voltar a trabalhar como gestor te atrai?

Não. A Casa da Gávea foi um projeto pequeno, que envolveu poucas pessoas. Outra coisa é você ter de lidar com órgãos maiores, com uma Funarte, uma secretaria ou um ministério. Estou muito feliz fazendo teatro da forma em que estou. Já apresentei a peça em locais como São Gonçalo, Vila Kennedy e, em todos eles, converso com o público após as sessões, e essa troca é muito boa. Se eu for trabalhar com gestão pública, terei de abdicar desse prazer, que é algo que está me deixando muito satisfeito.  Não quero abrir mão disso nesse momento.

A coalizão é de fato necessária ao andamento da governança política. Sendo um homem de esquerda, engajado, como viu a entrada do Alexandre Frota na equipe de transição?

A indicação foi do próprio partido dele (PSDB) e isso faz parte do jogo político. Essa questão é delicada porque o Frota é um cara cheio de contradições, mas, de qualquer forma, ninguém se queixou. E certamente pesou a favor dele o fato de não estar mais afinado com Bolsonaro. A equipe que vai cuidar da Cultura na transição é composta por diferentes nomes. Quem tiver a fim de fazer algo relevante, vai se impor. Pode ser que as sugestões dele prosperem e pode ser que não.

Para terminarmos, você já interpretou no teatro grandes autores como Ibsen, Shakespeare…

Você não vai me perguntar nada sobre a Cássia Kis?

Não ia, mas vamos lá: como você vê o posicionamento dela afinado com o Bolsonarismo e com ideais conservadores?

A Cássia é minha amiga e tenho carinho por ela. Às vezes, acabamos capturados por certas ideias que fazem com que fiquemos fanáticos por elas. É uma pena quando isso acontece.

Voltando à pergunta anterior, qual autor você não pode passar pela vida sem ter encenado?

Adoraria fazer “Julio Cesar”, do Shakespeare. É uma peça com muitos papéis e requer um elenco enorme e acaba que um mesmo ator se desdobra em mais de um papel. O mesmo ator que aparece como sapateiro volta, mais adiante, como Brutus, e isso acaba confundindo o público. Quero uma montagem sem sobreposições, em que cada ator faça um personagem. Tomara que consiga parceiros para levar esse plano adiante.

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