‘Calado não se chega a lugar algum’

abril 25, 2025

Gabriela Duarte brilha em solo teatral e fala da sua trajetória, das rupturas, revela desejo profissional e reflete sobre polarização e conduta nos dias atuais

Uma atriz por inteiro no que faz. Assim é quando Gabriela Duarte surge nas telas (da TV ou do cinema) ou no palco. E não poderia ser diferente. Filha de Regina Duarte, atriz cuja trajetória está circunscrita à da própria televisão no Brasil, Gabriel viu logo cedo que, se quisesse ser artista,  seu caminho não seria fácil. Ela arregaçou as mangas e forjou sua persona artística a partir do que aprendeu com grandes diretores (de Antunes Filho a Bia Lessa),  colegas com que contracenou e nos estúdios, em especial os da TV Globo, onde literalmente cresceu. “Fui formada pelo que vi”, conta ela, que encara agora seu primeiro monólogo, “O papel de parede amarelo e eu”, em cartaz em São Paulo. E o que Gabriela viu (e viveu) não é pouco. “Cheguei a achar que minha carreira não valesse  em função do meu parentesco”, revela ela, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. A seguir, a atriz fala da experiência de ter sido dirigida por Denise Stoklos e por Alessandra Maestrini, celebra a parceria com Renata Castro Barbosa no vídeocast “Pod, amiga?”, reflete sobre sua criação e sua trajetória artística e opina sobre a crise nos bastidores de “Vale tudo”. “Profissionalismo envolve respeito e cuidado”, salienta.

Você leva à cena palavras da Charlotte Prkins, uma feminista do século XIX, e Fernanda Montenegro lota teatros lendo Simone de Beauvoir… As plateias brasileiras estão mais abertas a questões relacionadas à autonomia feminina?

Sim, o público está mais receptivo a discutir esses assuntos, não somente ligados ao feminismo, mas a temas como menopausa e a saúde mental nessa era digital. Esses assuntos eram tabus até pouco tempo e essas portas precisam ser abertas. No caso da peça, as questões não são tratadas de forma rude, mas com leveza. E os teatros estão cheios num sinal de que esses temas estão sendo absorvidos pelas pessoas.

Você trabalhou com duas referências: Denise Stoklos, criadora do Teatro Essencial, e Alessandra Maestrini, uma de nossas grandes cantrizes. Como foi essa convivência?

Fui impactada pelo trabalho da Denise quando a vi em “Um fax para Cristóvão Colombo”. Ao encontrar a Alessandra numa estreia , soube que elas estavam dirigindo juntas e propus de mandar o texto que gostaria de fazer. Queria que esse trabalho fosse dirigido por mulheres. Elas entraram de sola e, quando vi, estava ensaiando no apartamento da Denise sem acreditar que aquilo estava acontecendo. O trabalho não teria acontecido sem elas. Fui abençoada artisticamente e agradeço aos deuses do teatro por isso.

A Alessandra tem um selo de qualidade incrustado nela, não?

Falo que ela tem ouvido absoluto não somente para a música como para a vida. Como diretora, ela tem uma percepção incrível das coisas. A escuta dela faz com que ela perceba até quando uma vírgula está fora do lugar.

Voltando a você, todas as vezes em que te vi em cena, encontrei uma atriz inteira no que faz. O que norteia essa entrega?

Vou te responder com toda sinceridade: não sei fazer de outro jeito. Escolhi essa profissão da mesma forma que digo que fui escolhida por ela. E olha que meu caminho foi difícil… Cheguei a achar que minha carreira não valesse  em função do meu parentesco. Teria sido mais fácil não ser atriz, mas sou. E tenho um filtro artístico que fui apurando com o tempo, e que norteia minhas escolhas artísticas. Sou ariana com ascendente em escorpião.

Na TV, interpretou papéis díspares como o da prostituta Justine  e o de uma ninfomaníaca. Sentir-se desafiada é um pré-requisito  para aceitar um papel?

Durante muito tempo não tive escolha senão a de aceitar o que me era trazido. Até que comecei a abordar autores e diretores com insinuações do tipo “Olha, adoraria fazer uma louca, uma vilã”… Nessas abordagens, causava estranhamento muitas vezes até que disse ao Silvio de Abreu que queria sair da prateleira, e ele me perguntou: quer mesmo? E assim foi. Não sou da maciota (risos). Calado não se chega a lugar algum.

O que é mais desafiador: criar uma personagem ou recriar alguém que existiu, como em Chiquinha Gonzaga?

Recriar é sempre mais difícil. Personificar uma figura real é um desafio imenso. No caso da Chiquinha, ela tem uma importância imensa para a música como para a emancipação feminina e para o país. Gosto muito desse desafio. Estudo, fico obsessiva e ninguém mais me vê. Quando reencontro os amigos, eles brincam que ressuscitei (risos). Tenho isso de hibernar, não no sentido de dormir, mas de estar me alimentando. Não sei fazer de outra forma.

Você e sua mãe tiveram oportunidade de contracenar no teatro e na TV, em momentos diferentes da sua vida. Qual o maior ensinamento que ela te passou?

Foram muitos. A disciplina é um deles. Uma marca dela é a de estar comprometida com o trabalho sem perder a humanidade, o bom humor, o afeto pelas pessoas envolvidas. Havia o respeito dela pelas pessoas e das pessoas por ela. E isso acontecia também em casa. Nos finais de semana, enquanto estávamos na piscina, ela estava no quarto, estudando.

Nós, aquarianos somos muitos disciplinados (risos)…

Falo que os aquarianos têm um planeta próprio. Vocês vivem num mundo só de vocês.

Você precisou abrir baús do passado nos relatos à sua biografia. Com o que foi mais doloroso de lidar?

Muitas das perdas que vivi foram dolorosas. E não me refiro somente a pessoas que morreram, mas às perdas de um modo geral. Tenho uma tendência a passar feito um trator por cima dessas situações. Tive de ver alguns momentos da carreira com uma lupa e isso não é fácil.  Mas tudo  foi importante para me fazer mais forte. A preparação para o livro me levou a  esse monólogo, e os dois processos formam uma coisa só. Tanto que o título da peça é O papel de parede amarelo e eu. Minhas vivências estão ali também.

E você se jogou à vida com muita coragem também. Estudou com diretores como Antunes Filho e Gerald Thomas, entre outros…

Com Bia Lessa também. Eu tinha 18 anos quando fui para a Alemanha com ela. Dividíamos um apartamento com 15 atores, e essa experiência foi muito importante para mim.

Você e Renata Castro Barbosa inovam ao entrevistarem personalidades acompanhadas por um grande amigo, que atua como o fiel da balança. Isso é inédito. Como tiveram essa sacada?

Não tinha pensado nisso. Renata e eu nos conhecemos há 40 anos. Temos esse elo de dupla. Ela me forma e me informa, me lembra quem sou e chama minha atenção quando não me reconhece em algo  e vice-versa. A gente se provoca. Uma das ideias é a de a gente se mostrar como uma dupla. É um projeto afetuoso e amoroso.

Qual personagem ou autor gostaria de levar ao palco e que ainda não foi possível?

Não exatamente um personagem ou um autor, mas um trabalho. Gostaria de fazer algo próximo de um musical. Não exatamente uma superprodução da Broadway, não é isso, mas algo próximo da música ou da palavra cantada.

Em entrevista ao site, Bruna Lombardo disse que há muita dispersão no ambiente de novela. Estamos assistindo a uma polêmica envolvendo atores de “Vale tudo”. Qual a conduta ideal para o convívio saudável num set?

Acho que cada um precisa ter consciência do seu trabalho e não invadir qualquer outro limite. Uma emissora de TV é uma empresa onde cada um tem um papel. Não falo somente dos artistas, mas do figurinista, do camareiro, do maquiador… Trabalhei na TV Globo, cresci ali e fui formada pelo que vi. Ali me coloquei num lugar profissional. No ambiente de trabalho  você precisa ser profissional. E profissionalismo envolve respeito e cuidado, sem invadir o espaço de ninguém. Só que isso está se perdendo… As coisas andam diferentes em muitos aspectos. Os limites não estão mais tão claros, e a gente não sabe o que vai acontecer a partir disso.

Créditos: Christovam de Chevalier (texto e entrevista) e Priscila Prade (foto)

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