‘Atravessamos uma época de revisão’

maio 14, 2024

Fernanda Montenegro fala do engajamento em prol do Rio Grande do Sul e festeja o interesse do público pelo pensamento de Simone de Beauvoir

Fernanda Montenegro é um dos mais importantes nomes do teatro brasileiro. E o teatro é colocado aqui não como substantivo, mas como instituição. Essa grande dama dos palcos está de volta ao habitat que a consagrou – e que ela tanto ajudou a consagrar. Fernanda apresentar a leitura de “A cerimônia do adeus”, obra na qual a pensadora francesa Simone de Beauvoir  (1908-1986) passa a limpo sua relação vanguardista e iconoclasta com o também escritor Jean-Paul Sartre (1905-1980) e expõe suas visões sobre as relações humanas e o que ela espera das mulheres num mundo (ainda) dominado por homens.

Fernanda volta ao Teatro Casa Grande, nesta quarta (15), por um motivo mais do que nobre: humanitário. Toda a renda da bilheteria da sessão será revertida às vítimas das enchentes que, no Rio Grande do Sul, ceifam vidas e reduziram cidades a escombros. Essa grande atriz  falou com NEW MAG sobre a iniciativa e do entusiasmo com o interesse pelas ideias de Beauvoir demonstrados pelo público, que lota o teatro a cada apresentação.

– Essa desgraça, essa tragédia não está acontecendo somente no Rio Grande do Sul. Essa desgraça está acontecendo no Brasil e, de certa forma, no mundo. É preciso observar e tomar cuidado com esse novo tempo atmosférico e climático – salienta Fernanda, do alto dos seus 94 anos.

A querida atriz já havia jogado luz sobre as ideias da filósofa  existencialista no solo “Viver em tempos mortos”, com o qual viajou o país, entre 2009 e 2011, sob  a direção de Felipe Hirsch. E volta a mergulhar nas propostas da autora como também festeja o fato de o público fazer-se presente para ouvi-la:

– A temática sobre a qual falo poderia não interessar… É uma temática atual e violenta, de uma mulher “alucinada”, e estamos atravessando uma época de revisão de tudo, e isso envolve o comportamento humano e a aceitação do outro.

Sim, Fernanda está atenta  às transformações recentes pelas quais o país passou, e por isso a surpresa. O interesse pelas ideias da escritora é, sim, um dos fatores que levam o público a ver Fernanda. A outra parcela está no fato de uma das nossas maiores atrizes estar ali, inteira e íntegra, no palco.

– Os teatros estão lotados, desde os que têm bons a médios espetáculos. E isso é comovente, uma vez que o público tem a despesa da cadeira que compra, tem de pegar uma condução (para deslocar-se), tem de esperar (o início da sessão) e a gente se encontra, e isso é fundamental para quem está no palco fazendo o seu trabalho, exercendo o seu ofício ou sua vocação – destaca ela dividindo os louros com o espectador, sem o qual o teatro não acontece: – Acho que o espectador é também um vocacionado. É um ser humano que busca outro ser humano, como nós, artistas, buscamos outro ser humano, apesar de toda uma vida eletrônica dessa nova Era.

Do alto dos seus 94 anos, Fernanda testemunhou as mais variadas transformações no mundo. E viu a transição entre tempos analógicos, nos quais ela se forjou, para este mundo tecnológico que dita as regras hoje. Apesar de tudo, a atriz crê que o teatro há de resistir à vida futura:

– Os teatros estão cheios, e as pessoas estão se contatando, e isso é algo especial de se observar… Por que queremos estar humanamente juntos? O mundo que vem aí irá separar o ser humano? Não. Essa profissão é arcaica e atravessou milhares e milhares de anos. Às vezes parece que desaparece, mas não: ela está lá. O palco vai ser eterno.

E assim ela segue iluminando o mundo, com o lume pelo qual foi chamada pelo poeta e letrista FernandoBrant (1946-2015) de “estrela Montenegro do universo”.

 

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