‘As redes viraram campos de solidão’

dezembro 20, 2024

Maria Padilha brilha no teatro e fala dos altos e baixos da profissão, de erotismo, de redes sociais e do boom de influenciadoras na TV

O Brasil atravessava os loucos anos 1970 quando, numa licença poética com a canção dos Doces Bárbaros, “uma menina loura, linda e decidida” estabeleceu seu lugar nos palcos. E não tardaria para Maria Padilha chegar às telas – do cinema e da TV. Maria é dessas atrizes que se atiram do trapézio sem redes de proteção. E, assim, brilha a cada aparição, sobretudo nos palcos, onde já deu vida a mulheres exuberantes e empoderadas como a Lucia McCartney, de Rubem Fonseca (1925-2020), com a Zulmira, de “A falecida”, e com Cordélia Brasil. E o mesmo se dá agora em “Um jardim para Tchekhov”. Após bem-sucedidas temporadas no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e no de São Paulo, o espetáculo aporta, em janeiro, no CCBB de Brasília. Escrita por Pedro Brício, a peça trata dos altos e baixos da vida do artistal. “O Brasil é um país onde as pessoas entram e saem de moda rapidamente”, constata, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. A seguir, Maria fala sobre o uso que faz das redes sociais, das influenciadoras que despontam como atrizes, elenca perdas pessoais e festeja os encontros trazidos pela profissão: “Meu interesse é por boas parcerias”.

Você vive na peça uma atriz que já viveu seu ápice na carreira. Com o ser humano cada vez mais longevo, essa questão te aflige num país como o nosso?

Ela passa na verdade por uma entressafra. A vida do artista é feita de altos e baixos. E, com os atores, tem isso de você estar na moda, e aí você é superrequisitado até que sai de moda. Eu mesmo comecei na profissão sendo indicada a prêmio, chamada para atuar num filme da Ana Carolina (a cineasta e não a cantora) e, em seis meses, estava em todos os lugares. O Brasil é um país onde as pessoas entram e saem de moda rapidamente. A Fernanda Montenegro diz que, no início, tudo são flores e que, depois, esquecem um pouco de você. Isso é a pura verdade. Só que a gente persevera, e desistem de desistir da gente.

Você esteve soberba em “A falecida”, na qual viveu uma mulher da qual o marido se vingava após sua morte. Como lida com as Zulmiras que pululam nas redes sociais?

Queria fazer a “Senhora dos afogados”, mas o Gabriel Viella disse que só saberia dirigir “A falecida”. Ele chamou minha atenção para uma característica da personagem que é comum a muitos brasileiros: a de estar insatisfeito com o que se tem, isso de que a grama do outro é sempre mais verde. O brasileiro tem isso de engraçado: pode morar mal, não ter o que comer, mas o celular tem de ser o de última geração.

E como lida com a superexposição nas redes sociais? Você costuma ser muito discreta…

Entrei no instagram em 2014 e usando outro nome. Postava coisas bucólicas como uma cachoeira, essas coisas. Até que o (Antonio) Caloni me disse que meu instagram não tinha a menor graça (risos). Acho que, após a pandemia, as redes sociais viraram grandes campos de solidão. Nos anos 1990, as celebridades reclamavam dos paparazzi, que eram de fato inconvenientes e invasivos. A Lady Di morreu fugindo deles. Agora, nas redes sociais, as pessoas compartilham tudo o que fazem. Elas viraram o paparazzo delas próprias.

E, no teatro, você também brilhou como a prostituta Lucia McCartney. Como vê a exploração da libido e do fetiche em plataformas como Only Fans?

Acho que essa exploração do erotismo feminino sempre existiu no Brasil. As capas de revistas traziam mulheres com pernas de fora e com decotes em que o peito quase ficava à mostra. Lembro de uma situação na época da Falecida  em que fiz uma matéria para uma revista , e o fotógrafo foi explícito: se subir um pouco mais o vestido será capa.

E como lida com o fato de influenciadoras trabalharem como atrizes?

Lembro de ser ainda iniciante quando, num almoço com  Marília Pêra, um sujeito se aproximou dizendo-se artista. Ela perguntou o que ele fazia, ele disse que era poeta, e ela quis saber do que ele vivia. Ao ouvir que ele era engenheiro, ela foi categórica: “Então, você é engenheiro”. Essa lógica se aplica às influenciadoras. Se têm seu ganha-pão como atrizes, podem se dizerem atrizes. Agora, se são boas ou más atrizes aí são outros quinhentos…

Você teve oportunidade de trabalhar com Miguel Falabella em diferentes montagens teatrais. Qual a característica dele que mais te encanta?

A capacidade que ele tem de aliar inteligência e afeto. A gente se diverte muito trabalhando e no dia a dia. Quando vou vê-lo no teatro, ele coloca no texto cacos relacionados a coisas que só dizem respeito à gente  e fico rindo sozinha na plateia. Ele acabou ganhando essa pecha de Loura Má, o que é, de certa forma, injusto come ele. O Miguel  é afetuoso e generoso com os amigos.

Em No coração do Brasil você trabalhou com Jacqueline Laurence, Thales Pan Chacon e Kamille, nomes que não estão mais aqui… A finitude te exaspera ou não?

Lido com perdas desde muito jovem. Perdi uma amiga ainda no colégio, que foi atropelada. Minha mãe morreu cedo e, ao longo da vida, fui perdendo pessoas próximas. Já perdi duas irmãs: uma há mais tempo e, a outra, recentemente. Há muito tempo que a hora do jantar não é mais aquela em que nos reuníamos. Em relação à minha família, nunca me coloquei naquele lugar de vítima, de coitadinha, e isso foi bom. Sinto saudades de muita gente: da Silvia Sangirardi, da Scarlet (Moon)… Você aprende a lidar com as perdas e vai se fortalecendo com isso.

Sua personagem encontra Tchekhov. Com qual autor brasileiro gostaria de ter uma conversa?

Com Nelson Rodrigues. Pode parecer lugar comum, mas adoraria chafurdar naquela loucura do Nelson.

E com Vicente Pereira não?

Fui colada no Vicente e tivemos oportunidade de falar sobre tudo. Ele chegou a fazer meu mapa astral, inclusive.

E qual personagem gostaria ainda de interpretar?

Não tenho mais tara por personagens. Meu principal interesse hoje é o de formar boas parcerias no teatro. E isso se deu agora com o Tchekhov. O encontro com o Leo Medeiros é um exemplo disso. Nos anos 1990, fizemos leituras de peças do Shakespeare que eram apresentadas em comunidades e no Teatro Leblon. O Leo me foi indicado pelo Rodrigo Pena e ele deu conta do recado completamente. Sabe aquele ator que tem uma formação estruturada e que tem um entendimento do todo? É o caso do Leo. Ele tem uma loucura de ator que combina com a minha.

Crédito da imagem: Vinícius Mochizuki

MAIS LIDAS

Posts recentes

Voz brasileira

O maestro Isaac Karabtchevsky prestigia lançamento de filme sobre o tenor Aldo Baldin no Rio de Janeiro