Amor da cabeça aos pés

abril 30, 2023

Adriana Calcanhotto anda pelo mundo de Gal Costa em show surpreendente e arrebatador

Abrem-se as cortinas e Adriana Calcanhotto está no centro do palco. Com a mão direita, mantém uma panela próxima ao rosto. Não se assuste, pessoa. A imagem abre “Gal: coisas sagradas permanecem”, show no qual a cantora e compositora homenageia aquela que foi uma das nossas maiores artistas: Gal Costa (1945-2022). O roteiro é aberto com “Recanto escuro”, canção de Caetano Veloso e título do álbum lançado pela baiana em 2011. O número é executado sem Adriana descuidar do utensílio, numa referência ao fato de Gal tê-lo usado para moldar sua voz\sua vida.

Após estrear em Porto Alegre, “Gal: coisas sagradas permanecem” foi apresentado, na noite do último sábado (29), no Vivo Rio, Rio de Janeiro. “Recanto” é seguida por “Baby”, também de Caetano, e por “Meu nome é Gal”, retrato da artista quando jovem pintado por Roberto e Erasmo Carlos (1941-2022) em 1969. “Meu nome é Gal e sou uma estrela”, saúda Adriana relendo a célebre fala da musa, fazendo menções a novos talentos e aos excelentes músicos que a acompanham. Sim, naquela noite Adriana era Gal.

O leque é então aberto a duas outras contemporâneas da homenageada: Maria Bethânia e Rita Lee. Da primeira, ela canta “Caras e bocas”, poema musicado por Caetano e que batiza o álbum lançado por Gal em 1977. A letra, escrita pela baiana durante turnê dos Doces Bárbaros, abre alas para uma canção do referido grupo: “Quando”. Rara parceria de Gal com Gilberto Gil e Caetano, o rock louva Rita e ganhou roupagem no estilo Rolling Stones. É o momento em que o show ganha de fato o público.

– Muita gente não sabe, mas nasci no Rio Grande do Sul. Gilberto Gil só chamava Gal de Gaúcha. Vocês também podem me chamar assim – declara Adriana, dando a deixa para um dos momentos mais pungentes da noite: “Volta”, samba-canção do também sulista Lupicínio Rodrigues (1914-1974). O clássico abre alas para reverências a outros mestres: Dorival Caymmi (“Só louco”) e Tom Jobim (‘Tema de amor de Gabriela”).

A artista dá seu role pelos clássicos culminando em “The laziest Gal in town”, de Cole Porter (1891-1964), gravada por Gal em 1992. Adriana refestela-se na poltrona do cenário, totalmente à vontade – e a plateia está na dela. Da própria lavra, a artista canta “Livre do amor” e “Esquadros”, gravadas por Gal, respectivamente, em “A pele do futuro” (2018) e “Aquele frevo axé” (1998). “Não saberia fazê-las como a Gal, então vou fazê-las do meu jeito”, justificou. E fez bonito.

A pauleira volta nos momentos finais do show. Se “Quando” teve um quê de Stones, “Negro amor”, versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para o folk de Bob Dylan, ganha ares de Janis Joplin (1943-1970). Já a antológica “Vapor barato” (Jards Macalé\Waly Salomão) acende o crepúsculo levando o público a levantar-se para aplaudir.

A apresentação carioca teve um brinde: a participação do guitarrista Davi Moraes, que tocou fogo em duas músicas de seu pai, Moraes Moreira (1947-2020): “Bloco do prazer” (com Fausto Nilo) e “Dê um role” (com Galvão), num encerramento apoteótico em que Adriana abre a blusa e exibe os seios. O gesto surpreendente alude ao show (na época injustiçado)  “O sorriso do gato de Alice”, dirigido por Gerald Thomas.

Da mesma forma que, no álbum “Marítimo”, a cantora propunha comermos Caetano, ela anda pelo mundo de Gal prestando atenção em minúcias e acende belezas por dentro. E o rolê resulta num tributo íntimo e pessoal, reverente e amoroso. Da cabeça aos pés.

Crédito das imagens: Ricardo Nunes

Adriana e a panela com que canta “Recanto escuro” na abertura do show
Daniel Oliveira e Sophie Charlotte, que viverá Gal no cinema, com Adriana no camarim
O encerramento apoteótico do espetáculo
A cantora e compositora Teresa Cristina
A cantora Maria Luiza Jobim

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