Algumas de nossas grandes atrizes tiveram seu interesse pelo teatro despertado em casa. Não exatamente em casa, mas pelos próprios pais, também atores – ou “gente de teatro” como se diz no metier. Foi assim com Bibi Ferreira (1922-2019). Foi assim com Marília Pêra (1943-2015). E assim foi também com Christiane Torloni. Filha do casal de atores Monah Delacy e Geraldo Matheus, Torloni cresceu vendo-os às voltas com ensaios e falas a decorar. E certamente ali foi picada pela mosca azul do teatro.
Geraldo Matheus Torloni, que morreu no fim da tarde da última sexta-feira (29), aos 93 anos, foi muito mais do que um ator. Ele foi um verdadeiro homem de teatro. Ao longo da carreira, exerceu diferentes funções, todas fundamentais para que uma produção chegasse à cena. Foi também diretor, assistente de diretor, produtor, administrador e autor teatral.
Geraldo e Monah conheceram-se quando ingressaram na primeira turma de alunos da Escola de Artes Dramáticas de São Paulo (EAD), que, anos mais tarde, seria encampada pela USP. O namoro começou ali e, dois anos depois, em 1954, casaram-se. Da união, nasceram Marcio e Christiane.
Como realizador teatral, Geraldo Matheus ajudou também a difundir no país a arte de autores importantes como o irlandês Samuel Beckett (1906-1989) e o poeta espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936). Como ator, integrou importantes montagens como a de “Dias felizes” (1950), de Beckett, além de ter auxiliado na direção de hoje clássicos do teatro como as montagens brasileiras de “Dona Rosita, a solteira” (1955), de Lorca, e, voltando a Beckett, a encenação de “Esperando Godot”.
No âmbito da administração, o ator e diretor foi peça-chave para fazer com que produções ganhassem a cena. Ele trabalhou em companhias importantes como a formada pelo empresário Adolfo Celi (1922-1986) com os atores Tonia Carrero (1922-2018) e Paulo Autran (1922-2007) e também em casas de espetáculo como o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e o Teatro Bloch (hoje Prudential).
Ao estrear em 2016 no Rio de Janeiro a montagem de “Master class”, na qual interpretou com maestria a cantora lírica Maria Callas (1923-1987), Christiane Torloni aproveitou para homenagear seus pais, presentes na plateia. Sempre que podia, a atriz falava do legado dado por eles.
A partir de agora, quando pisar o palco, a atriz terá mais uma missão a cumprir: a de honrar a memória de um homem que teve no teatro mais do que um meio de vida. Geraldo Matheus Torloni teve com o fazer teatral uma relação de amor. De amor e de vida. Tal pai, tal filha.