‘A vaidade não pode ser maior do que as regras’

fevereiro 3, 2023

Marcelo Calero volta à Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e fala de parceria com o Ministério da Cultura

Marcelo Calero voltou, na manhã desta sexta-feira (03), à Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, para sua segunda gestão na pasta. Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Calero seguia carreira no Itamaraty quando, em 2013, foi cedido como coordenador-adjunto das Relações Internacionais da prefeitura. De lá para cá, vem se dedicando à gestão pública e, com apenas 40 anos, já assumiu cargos importantes como o de ministro da Cultura, em 2016 e, mais recentemente, a Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública. Os dias que antecederam a nova posse foram corridos, e esta entrevista, marcada inicialmente para quarta-feira (1º de fevereiro), precisou passar para o dia seguinte. O bate-papo começou no horário do almoço, precisou ser interrompido e retomado poucas horas depois. O dia a dia de Calero é cheio de imprevistos, mas esse carioca, nascido na Tijuca, Zona Norte da cidade, está mais do que calejado. “As Relações Internacionais são uma vocação, mas, no momento, estou realizado na política”, responde ele, sem pestanejar, na conversa telefônica. E, com isso, quem sai ganhando é o Rio e, em especial, a Cultura, uma das principais bandeiras do jovem político.

Qual o principal desafio que te espera nesta volta à Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro?

São dois os desafios. O primeiro é consolidar o que foi feito na gestão do (Marcus) Faustini, desde manter os avanços até dar conta do legado deixado por ele. É importante manter esse sarrafo no alto. O segundo é o de manter a sintonia com os pleitos e, a partir deles, realizar ações concretas. Estamos em um novo contexto de valorização da Cultura e é importante aproveitar e responder às expectativas desse novo momento.

Pelo fato de já ter passado pelo Ministério da Cultura pretende estabelecer elos com a atual ministra Margareth Menezes?

Sem dúvida alguma. Meu plano é o de fazer com a Cultura o que acontece com o SUS (Sistema Único de Saúde, implementado em 1988). Temos o Fundo Nacional de Cultura, o Conselho Nacional de Política Cultural e o Plano Municipal de Cultura, fora o fato de serem federais várias das instituições de Cultura que existem no município. As parcerias com esses órgãos são essenciais. É importante a valorização das políticas para o setor cultural e isso envolve a participação do governo federal e de instituições federais. Temos ganhos recentes como o da Lei Paulo Gustavo e é importante estabelecermos essa sinergia.

Você se aproximou muito de realizadores e produtores teatrais. Qual o principal pleito dessa classe em relação às políticas públicas do município?

A principal delas é a de o setor cultural ser levado a sério pelo poder público. É preciso fomentar o desenvolvimento econômico desse setor. É a Cultura que constrói a imagem do Brasil no exterior. Temos produtos industrializados que são exportados e dão notoriedade ao país, e o mesmo tem de se dar com as manifestações artísticas. É um setor que, nos EUA, é chamado de soft power (poder leve). No Brasil, nos últimos anos, vimos a progressão da criminalização da classe artística. Voltando à pergunta, os pleitos da classe estão relacionados a políticas robustas para o setor, com orçamento robusto e perene, com iniciativas que respondam ao setor de forma enérgica e não o contrário.

Já que falamos da projeção da imagem no exterior, as manifestações culturais no Rio estão muito ligadas ao Carnaval e à música, em especial ao samba e à bossa nova. É possível abrir o leque a outras manifestações como a dança e a gastronomia?

Se me permitir, vou discordar. O Rio tem hoje vários eventos dedicados à gastronomia, com diferentes formatos e em maior ou menor escala. Em relação à dança, temos o Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro, que funciona na Tijuca (Zona Norte do Rio). O teatro musical cresceu muito nos últimos anos e se estabeleceu como um segmento na indústria do entretenimento. O mais importante talvez seja perenizar políticas que valorizem ainda mais essas manifestações já existentes. É importante ter uma curadoria que, através das políticas públicas, estimule essas diferentes linguagens.

Recentemente, o Rio ganhou o Museu do Holocausto. Há planos de se fazer algo dedicado aos povos originários do Rio e à população negra escravizada?

Temos o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira, no Centro Cultural José Bonifácio, ali na Pequena África, Gamboa (Zona Portuária do Rio). Ali perto também existe o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, que contou com incentivos e do qual sou entusiasta. Esses lugares precisam ser consolidados para tornarem-se referências. As iniciativas já existem e precisam ser valorizadas. Existe, é claro, a questão do Racismo Estrutural e vemos, por exemplo,  a crescente violência contra terreiros e tudo isso precisa ser combatido. Precisa-se colocar em prática uma política de valorização desses equipamentos já existentes e alçá-los a outro patamar a fim de que sejam valorizados todos os pontos relacionados à diversidade.

Você se licenciou do Itamaraty para dedicar-se à carreira política. Tem planos de seguir, no futuro, carreira na diplomacia ou a política te pegou de jeito?

As Relações Internacionais são uma vocação, mas, no momento, estou realizado na política. Atualmente estamos num momento de revalorização das políticas públicas. É importante não permitir que haja novamente essa criminalização das políticas públicas, o que acaba favorecendo o surgimento de falsos profetas, com seus cantos de sereia, como vimos recentemente. O campo da política é, ao meu ver, o melhor meio de colocar em prática ações que revertam em melhorias à população ou a um grupo de indivíduos. O meu coração bate forte pela política e nela me sinto realizado.

E como viu a questão de o nome de Eduardo Bolsonaro ter sido sondado para ocupar um posto diplomático nos EUA sem ele ter o menor preparo para tanto?

É preciso que essa questão seja vista sob um prisma maior: no âmbito das Relações Exteriores é fundamental a valorização do corpo técnico para o desempenho de tais funções. O voto popular é democrático, a escolha de um presidente é legítima, mas a vaidade de um chefe de estado não pode ser maior do que as regras, estabelecidas na Constituição de 1988. Um presidente não pode tomar decisões movido por um capricho. De nada adianta querer trocar o presidente de um órgão como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que monitora as queimadas na Amazônia, porque os dados apresentados por aquele órgão contrariam os interesses da autoridade máxima da nação. Sem falar no fato de que aquela indicação representava nepotismo. A sociedade se posicionou, e a indicação não aconteceu. O voto popular é sagrado, mas um governante não pode tomar decisões movido por um capricho.

Crédito da imagem: Samuel Barcelos

 

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