O ator Cássio Gabus Mendes, do alto dos seus 63 anos, pode dizer por aí que parece um menino. É que com o fim do seu contrato com a Rede Globo, depois de mais de quatro décadas, ele sente-se em um recomeço de vida. Algo que também o fez, por exemplo, voltar a atuar no teatro, onde está em cartaz com a comédia “Uma ideia genial”, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. Por lá, ele experimenta o frio na barriga ao lado de Suzy Rêgo, Ary França e Zezeh Barbosa, seus colegas de elenco. “A estreia é pavorosa”, recorda ele nesta entrevista ao NEW MAG. Por falar em juventude, o veterano verá ainda um de seus papéis mais famosos ser revisitado no remake de “Vale tudo”, que estreia na próxima segunda-feira (31). Afonso será interpretado por Humberto Carrão, com quem ele contracenou em “Todas as flores”. Foi em “Vale tudo” que conheceu a sua mulher, Lídia Brondi, com quem está casado desde então. Ele conta que até hoje o público gosta de vê-los na rua e indica pontos que gostaria de ver preservados na nova versão. Para ele, não é tudo que vale nas recriações.
Voltou a trabalhar no teatro depois de 30 anos. Do que mais estava com saudade dos palcos e por que ficou tanto tempo longe?
Porque tinha um compromisso com a TV e moro em São Paulo. Na Globo, quase sempre trabalhei no Rio. Sempre priorizei a minha vida pessoal. Se fizesse teatro, seria aquela correria de fim de semana. Já tinha emendado teatro com novela, mas foi na década de 1980, outro tempo e outra a idade também (risos). Mas sempre recebi convites para o teatro. Agora que saí da Globo, e só faço obra fechada, fico com essa liberdade de escolher as coisas. A primeira coisa que me veio à cabeça foi que queria fazer teatro. Então comecei a fazer leituras. Até que o diretor Alexandre Reinecke pediu que eu lesse essa. É uma comédia vaudeville, em que os franceses são especialistas. E formamos um grupo bom. Estou voltando, então tinha que pegar um ritmo também, porque são linguagens diferentes. O público muda, cada sessão reage de um jeito.
O teatro tem também isso de amigos, familiares e colegas irem prestigiar. Isso também é gratificante.
Você esquece umas coisas, né? A estreia é uma coisa pavorosa. É de uma angústia impressionante. Você fica de ponta-cabeça, pode ter a experiência que for. Sempre digo que a estreia devia ser só depois de umas 15 apresentações. Essa é a verdadeira. Tem que afinar coisas, isso é com todo mundo. E é justamente na estreia que vão determinadas pessoas mais chegadas. Eu disse: “olha, gente, pode voltar daqui a umas dez sessões para ver de novo”. Mas os amigos sempre falam da felicidade de me ver no palco. Isso é muito bacana.
Sobre o fim do contrato com a Globo depois de 43 anos. Sente que é o fim de uma era na sua carreira?
Tenho uma vida ali. Fiz muita coisa, trabalhei com pessoas maravilhosas, fiz amizades. Mas tem outra coisa. Quando você fica muito tempo, a coisa se desgasta um pouquinho, você entra um pouco no automático. É normal, e as portas estão abertas, dos dois lados. Agora, a sensação é de um recomeço de vida. Mesmo no processo de administrar sua carreira. As escolhas têm outro sentido. Claro que o contrato dava uma estabilidade. Ao mesmo tempo em que perde isso, você ganha em poder peneirar, até na própria televisão. Já fui consultado por streamings, é possível que faça algo ainda este ano. Me sinto começando a parte dois da minha vida e carreira, renovado e com entusiasmo.
Neste momento mais livre, pretende arriscar-se também na direção ou como autor?
Infelizmente eu não tenho o menor talento para escrever. Adoraria ter. Leio muito, mas não sou bom nem para escrever bilhete. A direção também não. Acho que passou o meu tempo. O meu lugar é representar. Talvez em produção de teatro. Isso, sim.
Você esteve em “Todas as flores”, que foi uma novela no streaming, uma novidade ainda. Foi um grande sucesso, assim como tem sido “Beleza fatal”. Acha que este é o novo modelo de mercado?
Temos uma cultura disso muito forte. Não acho que vai acabar o formato longo e da obra aberta. É importante porque preserva nossa cultura. “Todas as flores” foi um teste, seria uma novela das 21h e precisou ter o número de capítulos reduzido. O sucesso foi monstruoso. Honestamente, não tinha ideia que isso iria acontecer. Pessoas de todas as classes me abordavam na rua. Para nós, neste país continental, as plataformas têm a chance de conseguir um volume de assinantes muito grande. Há a possibilidade de temporadas. Várias séries têm sete ou oito temporadas. Não deixa de ser uma novela. A expectativa é muito interessante nesse sentido. Vi uma pesquisa outro dia que dizia que no Globoplay a procura maior é pelas novelas. Nunca imaginei que fosse. Temos isso com a gente.
O remake de “Vale tudo” estreia na próxima segunda. Você já elogiou a escolha do Humberto Carrão para interpretar Afonso, assim como o seu talento e amizade. Chegaram a conversar sobre o personagem e este desafio?
Fizemos uma amizade muito boa. Ele é um rapaz muito legal, nos demos muito bem. Mas neste meio, você grava algo e de repente fica um tempão sem se falar. Não sei até que ponto vale conversar sobre o personagem. O ator é um criador. Pode dar um papel para 20 atores e cada um vai fazer de um jeito. Eu poderia ser útil para uma indicação ou outra apenas. Fora isso, não vejo muita utilidade em conversar sobre isso.
E o que diria para ele, como colega e amigo?
Não só para ele, mas para todos. Temos que ter consciência, quando se escolhe um remake desse porte. Porque essa novela foi muito importante e muito forte. Era uma explosão aquilo. Fatalmente terá comparações. É um fator que pode ser positivo ou negativo. Ainda mais hoje que se tem acesso à versão original na internet. Não há como fugir, mas o importante é fazer o seu trabalho. A qualidade dos atores escalados é indiscutível. A estrutura de produção e direção é inegável. Tem tudo para ser um trabalho muito legal. A Manuela (Dias, autora do remake) é extremamente competente e talentosa. A estrutura da história, os perfis de personagens fortíssimos, os conflitos… Tá tudo aí posto. Claro que tem que atualizar coisas. Mas mexer em conflito e perfil, eu já acho um pouco complexo, quando se tem um texto monumental. Isso é delicado. Na minha opinião, acho que tem que preservar, porque é o que dá força.
Acha que a temática vai ter um peso diferente nos dias de hoje?
Não acho. Importa mais a ficção. Você tem coisa para apresentar ali, muito além do entretenimento. Teve discussões de alcoolismo. Hoje tem muito aquilo de justificar cada atitude dos personagens. Fez algo porque passou por isso ou aquilo. Não, em novela e na vida, há coisa que acontece porque essa pessoa é ruim. A Maria de Fátima é ruim, e mal intencionada. Assisti “Adolescência” no dia seguinte que entrou no ar, essa série maravilhosa. Ela tem isso que estou citando de não ter justificativa, como em “Vale tudo”. Em novela e em remakes, isso tem que ser preservado.
“Vale tudo” marcou a história da teledramaturgia de uma maneira única. Quando estavam gravando, tinham noção desta grandiosidade?
A gente trabalhava muito. Novelas deste horário têm mais tempo no ar. Então eu não estava percebendo o que era. Mas uma hora caiu a ficha. Quando fui gravar a cena em que o Afonso dá o flagrante na Maria de Fátima com o amante, voltamos do almoço e o estúdio estava lotado de funcionários do próprio prédio da Globo. Como as secretárias e os boys. Perguntei ao diretor e ele me disse que vazou lá dentro a informação de que gravaríamos aquela cena, então ele deixou assistirem um pouquinho do ensaio. Isso me chamou a atenção pelo tamanho. Nunca vi acontecer dessa forma. Pensei: “Opa! Vixe Maria, isso é grande”. Outra vez também fui ao shopping, entrei numa loja, e quando olhei para trás, tinha um monte de gente olhando para mim. Estamos acostumados, mas o volume assusta. O personagem fica muito mais forte que você. Elas estão olhando para o Afonso. Essa coisa de ser abordado na rua, nunca me incomodei. Ainda bem que falam comigo. Se não falassem, estou trabalhando para quem, pro espelho?
Nesta novela foi também quando conheceu a Lídia. A obra tem um carinho especial seu por conta disso também?
Não tivemos nada ali. Foi só três anos depois. Mas essa novela faz parte da gente. Como foi muito forte, as novas gerações também adoraram, quando reprisou. Evidente que temos uma memória e uma sorte de sermos escolhidos. Mesmo com a história bacana, nunca sabemos o que vai acontecer. Isso fica com a gente. Tem uma memória afetiva aí.
Recentemente, você e Lídia posaram com a Gloria Pires e o Orlando Morais nas redes, e que gerou também repercussão. Há sempre uma grande atenção quando aparecem como casal. A que atribui isso e como lidam com este interesse do público?
Engraçado, em momento algum estávamos pensando sobre isso. Mas é a memória da fantasia da novela. É curioso, e não só no nosso caso. As coisas se misturam para as pessoas. Tem a vontade de ver juntos, ficar olhando e perguntar. Acho que vem daí, da ficção. As pessoas abordam e falam de admiração. Dizem: “Adorava você na TV, quando você volta?”…
Perguntam isso para ela?
Para ela também. Eu estou com a cara aí. Ela já parou tem 30 anos. Mesmo assim, as pessoas lembram. Mas sabem disso, e a abordagem é sempre muito educada, rápida, sem amolação ou muita pergunta. Às vezes falam: “Que pena que você não faz mais televisão”.
Você vem de uma família cheia de artistas e da televisão (seu pai é o autor de novelas Cassiano Gabus Mendes (1929 – 1993), além dos atores Tato Gabus Mendes, seu irmão mais velho, e Luis Gustavo (1934 – 2021), seu tio). Em algum momento sentiu o peso dessa responsabilidade?
Não senti. No começo vão focar nisso. Ficam curioso em ver quem é. Mas o meu foco era tão grande no trabalho, que não lembro de sentir isso. Sabia que ia existir esse lado da cobrança, mas nunca dei muita atenção. Tenho o maior orgulho de carregar o nome que tenho.
Você costuma gravar vídeos interpretando poemas nas redes. Como surgiu esta ideia?
Sou muito tímido, muito na minha. Eu me atrapalho demais com essa coisa de rede social e tinha dificuldade de relaxar. Mas pensei que deveria fazer uma coisa ali. Pensei em fazer uma coisa simples e ver como funciona. Ainda tenho uma insegurança em falar nas redes, mas comecei a curtir. Parei um pouco, e vou retomar. Há pessoas também me orientando. Faço na minha casa, mas consegui ajustar a luz, botam uma legenda, uma musiquinha. Já falaram na rua comigo sobre isso também, dizendo que adoram meus poemas, aí digo que não são meus. Mas agradeço.
Créditos: Danilo Perelló (texto) e Divulgação (imagem)