‘A morte faz parte da vida’

fevereiro 20, 2025

A brasiliense Rafaela Camelo fala da experiência de dirigir crianças em longa que exibe no Festival de Berlim

por Rodrigo Fonseca*

Dois anos depois de concorrer ao Urso de Ouro de curtas-metragens com “As miçangas” (em codireção com Emanuel Lavor), a brasiliense Rafaela Camelo volta ao radar da Berlinale, agora no formato longa, trazendo o Distrito Federal à mostra Generation Kplus, canteiro do festival dedicado a narrativas atentas à infância. “A natureza das coisas invisíveis” garantiu à cineasta o elogio internacional pela delicadeza na representação do companheirismo. Em sua trama, Glória, de dez anos (vivida por Laura Brandão), acompanha a mãe, a enfermeira Antônia (Larissa Mauro), no trabalho, em um hospital. A garota já conhece o local e costuma explorá-lo sozinha. Um dia, ela conhece Sofia (Serena), da mesma idade, que está lá por causa de sua avó, uma curandeira espiritual que sofre de Alzheimer. Uma relação de cumplicidade vai nascer ali. Na entrevista a seguir, a realizadora conta ao NEW MAG como adentrou no universo de imaginações e parcerias das crianças.

Em seu trabalho com um elenco infantil, “A Natureza das coisas invisíveis” conversa com cults como “Pequena mamãe” (2021), de Celine Sciamma, e “O Espírito da Colmeia” (1973), de Victor Erice, na forma de esgarçar as fronteiras entre a imaginação e a realidade. De que maneira se encontra equilíbrio entre essas duas instâncias, o registro do real e a fantasia?

Esses filmes são referências conscientes e chego a fazer uma homenagem ao filme do Erice, numa sequência. São narrativas que assumem a perspectiva da criança como verdade, sem fazer julgamento das personagens. Crianças preenchem lacunas do que vivem e do que veem com a imaginação.

De que maneira, na relação de suas protagonistas, “A natureza das coisas invisíveis” pode ser definido como um filme sobre amizade?

 Existe uma amizade instantânea que se forma ali. Elas são as únicas crianças do lugar, vivendo num espaço de tédio, de tempo vazio, e criam uma relação genuína, que o filme não precisa de palavras para explicar. É a criação de um elo, num companheirismo.

Existe um método seu para dirigir crianças? Como ele se dá?

 Não existem regras, mas elas sempre sabiam que estavam sendo filmadas, sempre conscientes de estarem atuando. Levamos dois meses de preparação nos quais eu tentei entende-las melhor, usando muito o desenho para isso. Elas desenhavam na parte em branco das páginas do roteiro. Encontramos juntas  uma palavra que nos servisse com um modo de entendimento: “simples”. Eu dizia para fazerem as coisas de um jeito “mais simples” ou “menos simples”.

Como você, egressa do Distrito Federal, definiria o cinema brasiliense hoje?

Quando penso no cinema de Brasília, lembro de nomes, não necessariamente de tendências. Lembro de Adirley Queirós, Dácia Ibiapina, Vladimir Carvalho. São cinemas bem diferentes esses. Adirley, inclusive, é de  Ceilândia, mas todos são do DF. Lembro também do curso de Audiovisual da UNB, com sua força.

O que você tem para filmar depois?

 Tenho dois projetos , sendo que um eu vou fazer no Ceará, com Allan Deberton (diretor do premiado “Pacarrete”). O outro, chamado, “O Jardim das Delícias”, eu faço no DF mesmo.

Esta Berlinale foi marcada por uma linha curatorial nova, de tônus propositivo, que trafega por narrativas pautadas por certo otimismo. De que forma “A Natureza das coisas invisíveis” flerta com essa corrente propositiva?

Numa narrativa agridoce, a gente mostra pessoas que encontram sentido na dor. A morte faz parte da vida. É um grande ciclo.

Crédito da imagem: Reprodução (instagram)

*enviado especial para o Festival de Berlim

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