‘A gente repete coisas de mil anos atrás’

agosto 16, 2024

Fábio Assunção fala de sua volta à TV, do trabalho no cinema como um misógino e incensa Drica Moraes e Daniella Perez

Fábio Assunção é um dos raros casos de quem já começa no que muitos consideram o ápice da carreira: uma novela das oito na TV Globo. Seu primeiro trabalho foi em “Meu bem, meu mal”, quando não havia nem terminado o curso profissionalizante de teatro conciliado com a faculdade de Publicidade. Depois disso, não parou mais. Fez “Pátria minha”, “Sonho meu”, brilhou em “Celebridade” e arrancou gargalhadas do público na série “Tapas e beijos”. O ator tem uma carreira que o coloca no hall de grandes nomes da teledramaturgia brasileira. Nos palcos, suas aparições são esparças, mas marcantes. Foi assim em “Dogville” e, mais recentemente, na peça “Férias”, na qual contracenou com Drica Moraes. E no cinema, estreia na quinta-feira (22) o filme “Motel Destino”, dirigido por Karim Aïnouz. O longa foi muito aplaudido nos festivais de Cannes, na França, e no de Gramado, no Rio Grande do Sul. Em entrevista exclusiva ao NEW MAG, o ator falou sobre seu personagem no filme, a volta à TV e sobre as lembranças que tem de Daniella Perez (1970-1992), com quem contracenou em “De corpo e alma”. 

Seu personagem também transita pelo humor e arranca gargalhadas do público em alguns momentos. Como você se preparou para o Elias?

Ele exigiu um trabalho mais intelectual, de estudar o roteiro mesmo e tentar entendê-lo. Dividi o filme em doze movimentos. Botei música para cada cena. Tive tempo para fazer isso, mas o Karim é um diretor que pulsa no set. E nada é previsível. É um mergulho numa coisa muito original, em camadas muito profundas, na desconstrução desses seres. Pude também colocar a fragilidade, a solidão, a loucura e o desespero dele, porque a gente está falando de um espaço de confinamento, que é o motel. O confinamento acontece como em “Bates Motel” e “O Iluminado”. O Elias é a desconstrução do óbvio, de ele ser um macho, alfa, branco. E isso é uma reparação histórica. Fazer um personagem desses, vestir esse personagem, viver. É uma maneira de expor os horrores de uma relação abusiva. Procurei fazer isso de uma forma desconstruída, mostrando as incertezas, as dúvidas, a fragilidade dessa personagem.

Seu personagem prega a liberdade mas não supera a traição da mulher e de Heraldo, o protagonista do longa. Como você vê a questão do machismo ainda tão vigente na sociedade?

As mudanças sociais acontecem primeiro intelectualmente, e isso obriga o país a criar novas leis. Existe esse momento de entendimento e de botar na ilegalidade comportamentos que não podem ser mais tolerados, mas as mudanças culturais e emocionais são mais lentas. Muito lentas. A gente, enquanto sociedade, repete coisas de mil anos atrás, qualquer um que estudar história vai ver esses mesmos comportamentos. É muito difícil a gente mudar essa natureza humana de exercer o poder em relação ao outro, de olhar para o outro como se estivesse numa competição onde você tem que derrotar o outro. Esses são modus operandi da sociedade que vão levar tempo para mudar. Isso vai mudando com filmes como esse, no qual você expõe a misoginia e o abuso dentro de uma personagem. Nesse sentido, o personagem está numa reparação histórica mesmo.

Você volta às novelas em “Mania de você”, quebrando hiato de 17 anos longe da faixa das 21h. E ainda estará na próxima novela das 18h, “Garota do momento”. Como estão esses projetos na televisão?

Na novela “Mania de você” faço uma participação muito rápida só para plantar uma informação na estória. Na novela das 18h faço um vilão, mas que vou trazer uma dose de bondade (risos). A novela se passa em 1958, um ano especialíssimo de crescimento no Brasil, com o país  ganhando a Copa do Mundo, muita coisa acontecendo aqui. É um ano de passagem também da música do Elvis Presley para a música dos Beatles, dos Rolling Stones, de Floyd, que já seria nos anos 1960.

Você voltou aos palcos contracenando com Drica Moraes, com quem já trabalhou na TV. Como foi reencontrar a Drica e justo no teatro?

Amo a Drica e penso que o forte da peça é a conexão que a gente tem. É uma celebração do humor, da alegria. Um momento que estava todo mundo querendo também, de dar uma respirada. E não é porque é uma comédia, e sim uma celebração da alegria porque ela não tem profundidade. É um casal que está vivendo junto há 25 anos. É uma observação de como eles vivem a vida, de como eles superam as dificuldades, de como eles superam os perrengues de uma viagem. Fora que é um casal encantador que, como a minha personagem fala no final, “a gente acha graça de tudo”. É um ensinamento, você olhar para a vida e achar graça. Buscar alegria, viver os processos da vida com bem-estar. Nós já fizemos uma temporada de dois meses em São Paulo. Colocamos 22 mil pessoas na plateia. Agora a gente vai fazer Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, Goiânia, Ribeirão Preto e, mais futuramente, o Rio de Janeiro.

Você contracenou com Daniella Perez na novela “De corpo e alma”. Quais lembranças você tem da atriz? 

Só lembranças maravilhosas e uma tristeza profunda pela vida e pela carreira dela terem sido interrompidas da forma que foram. Ela ia ter muito mais para oferecer. Aquilo foi uma tragédia. Foi terrível.

Seu desempenho em “Onde está meu coração” foi muito elogiado. A trama falava com sensibilidade da dependência química. Qual o saldo sobre esse  trabalho tão visceral?

É um trabalho maravilhoso, feito em parceria com a Letícia e com a Mariana Lima, que conta a história dessa família. De uma direção maravilhosa da Luisa Lima. O Marquinho Pedroso, que faz a direção de arte do “Motel Destino”, também fez a arte de  “Onde está o meu coração”. Foi incrível. São trabalhos que a gente leva para a vida. Tenho muito orgulho de ter feito essa série e da recepção que ela teve. 

Crédito da imagem: divulgação / TV Globo

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