‘A gente luta pela liberdade e por um povo’

março 25, 2022

Fafá de Belém fala, em entrevista, sobre o aprendizado como técnica do 'The Voice+', o resgate do Cristianismo pelo papa Francisco, as lutas abraçadas ao longo da vida e conclui: 'Faria tudo de novo'

Quando surgiu na cena musical com o LP “Tamba tajá”, em 1976, Fafá de Belém trouxe consigo toda uma efervescência de vida que marcaria o Brasil. Além de chamar atenção para a riqueza de ritmos e compositores do Norte do país, a cantora despertou também uma consciência estética. A morena curvilínea e de seios fartos mostrou-se empoderada numa época em que tal termo nem sonhava em existir. Sua segurança reflete-se também nas atitudes. Fafá cantou o que quis, lançou compositores, estilos musicais e tendências, foi musa das eleições diretas no país e pode gabar-se por ser a única artista no mundo a cantar para três papas. Acontece que a soberba passa longe dela. Ao mesmo tempo em que se orgulha de sua trajetória (“Faria tudo de novo”), Fafá  não é de deitar nos louros, como mostra nessa entrevista ao NEW MAG. “Não existe auto-tune mais importante do que uma voz plena que saia de um coração”, conclui ao falar dos talentos que conheceu no “The voice+”, do qual é uma das técnicas. E Fafá sabe do que fala. Voz e coração são duas coisas que ela tem de sobra.

A questão hídrica acompanha a sua vida há tempos. Teu segundo LP tem o título de “Água”. Como você vê o fato de o mercúrio usado no garimpo voltar a contaminar peixes, populações indígenas e chegar a Alter do Chão, no Pará? 

O povo ribeirinho vem sofrendo desde sempre com a contaminação dos rios. Como mulher da Amazônia, fico muito incomodada. De quando em quando, aparecem grupos querendo falar de Alter do Chão ou da Amazônia porque está na mídia e dá ibope. O que quero é que olhem para essas comunidades que não estão na mídia e que sofrem com esse problema desde sempre. Que os problemas que hoje estão na mídia sirvam para que as pessoas, que só levantam bandeiras quando a água bate na bunda, abracem as comunidades ribeirinhas. Essas comunidades precisam que ONGs, empresas e manifestações sejam feitas para elas. E que deem o subsídio necessário para acabar com a devastação e com a contaminação das águas.

Como técnica do ‘The Voice+’, você conhece artistas desconhecidos e reencontra outros. O que te comove mais nessa relação técnico-artistas?

O que mais me encanta no “The Voice” é ver pessoas com mais de 60 anos, algumas anônimas e que nunca deixaram de cantar, outras que já tiveram uma carreira, fizeram determinadas opções e estão voltando agora. O que me encanta é a coragem de se ir contra o padrão exigido pela sociedade. É uma gente que sai da invisibilidade e prova que nós podemos sonhar. Nós, que temos mais de 60 anos, que não temos corpos perfeitos, que não temos zilhões de seguidores e que não usamos auto-tunes (corretor de afinação). O grande ensinamento que essas pessoas nos dão é que a música sai da voz; a voz, da boca, boca que reverbera o que vem da alma. Não existe auto-tune mais importante do que uma voz plena que saia de um coração.

Você sempre esteve atenta às novidades. Foi a primeira grande cantora a gravar gêneros como lambada e sertanejo. O que chama sua atenção hoje na nova cena musical? 

O que me chama atenção é a vida, o movimento da vida. Sempre fui muito curiosa. Curiosa por coisas que não conheço, por coisas que já existiam e que não tinham chamado minha atenção, curiosa pelo que acontece ao meu lado, curiosa por esse país imenso e que tem muitos Brasis. Sou muito inquieta e essa inquietação é o que me faz caminhar. Não sou de sentar nos louros. Não interessa o que fui. Eu sou! Sou ativa, inquieta, curiosa e uma caminhante (risos).

Você já cantou para o papa João Paulo II e para seu sucessor, Bento XVI. Como vê a postura mais liberal do papa Francisco?

Já cantei para o Francisco também. Acho que sou a única cantora no mundo a ter se apresentado para três papas. Acho que todo esse movimento de reencontro da Igreja Católica com os jovens, com o mundo que não tolera relho (açoite) começa com o papa João Paulo II. Essa caminhada foi traçada pelo (Joseph) Ratzinger (Bento XVI), que abriu mão do papado para ir para os bastidores. E, daí, surge o papa Francisco, com seu vigor de latino americano e que traz de volta o grande sentido do Cristianismo, que envolve liberdade, coragem e um olhar amoroso sobre o outro, olhar da reflexão e não o da condenação.

Você tem uma ligação muito forte com o Círio de Nazaré e está à frente do camarote mais concorrido da festa religiosa. Nossa Senhora de Nazaré já te ajudou a alcançar alguma graça?

Nazinha é nossa amiga desde a infância. O paraense nasce, muitas vezes fruto de uma promessa à N. Sra. de Nazaré, fruto de um pedido por fertilidade ou por saúde. Mais do que pedir, eu agradeço a N. Sra. de Nazaré, essa mulher, Naza, Nazinha, Nazoca, Nazarezinha… Ela é nossa amiga, nossa confidente. A ela a gente pede o que não se pede a ninguém. Com ela, a gente divide nossas angústias e nossos sonhos. Ela é o grande símbolo feminino dessa região chamada Amazônia.

O que a Fafá de hoje diria àquela moça que, munida de esperanças, gravou lindamente o Hino Nacional e foi musa das Diretas?

Diria que valeu a pena. Continuo com essa coragem. Você será reconhecida e não reconhecida por quem você incomodou e apoiou. Mas não é esperando reconhecimento que se trava uma luta. A gente luta pela liberdade e por um povo, pelo que se acredita. Faria tudo de novo.

Por fim, o que te deixa P da Vida?

A hipocrisia. Os aproveitadores, os ilusionistas, as pessoas que acusam, cancelam, que viram donos de situações ou de movimentos sem qualquer substância, apenas com frases feitas. O que me deixa P da vida é a internet ser esse fórum de juízes muitas vezes sem qualquer embasamento. Ao mesmo tempo, o papel da internet é fundamental para que se pesquise e se tenha clareza sobre quem é o que diz e quem não é o que levanta (gargalhada). Viva as novas tecnologias!

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