‘A extrema-direita não pode jamais ser tratada com flores’

outubro 11, 2024

Lançando novo livro, Felipe Neto fala sobre ódio, polarização política, seus projetos sociais e o alto preço que paga para ter a consciência tranquila

Ódio, uma palavra de apenas duas sílabas com tantas interpretações que são necessárias incontáveis outras palavras para defini-la. Motivo de estudo da psicanálise, de argumento da Justiça criminal e considerado por alguns o oposto do amor (embora há quem afirme que este lugar pertence à indiferença), é esta palavrinha que tem permeado a vida do influenciador e empresário Felipe Neto. Tanto que foi sobre ela que ele se debruçou para escrever seu novo livro, “Como enfrentar o ódio — A internet e a luta pela democracia”, da Cia. das Letras, lançado com estardalhaço na Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, na Flip, no Rio, esta sexta-feira (11/10) e que, em menos de seis horas de pré-venda, assumiu a liderança dos mais vendidos da Amazon. A obra é descrita como um relato franco e pessoal do primeiro criador do Youtube a fechar uma publicidade em vídeo e o primeiro a atingir 1 milhão de inscritos, mas também de um homem que inicialmente alcançou esses números destilando o ódio e que, hoje, sente na pele o que é estar do outro lado. Após comprar mais de 14 mil livros em quadrinhos na Bienal de 2019, no Rio, para serem distribuídos gratuitamente, em retaliação pela decisão do então prefeito Marcelo Crivella, que havia mandado recolher os exemplares apenas porque continham um beijo homossexual, Felipe viu sua vida dar uma guinada de 180º. Antes caçador e neste momento a caça, ele recebeu inúmeras ameaças de morte, teve que se despedir de sua mãe, Rosa, que, com medo, foi morar no exterior, adotou a prática de andar com seguranças e começou a receber intimações de processos que jamais imaginou. A seguir, ele fala sobre como enfrentou seu ‘ódio interno’, como acredita que a extrema-direita deva ser enfrentada, a polarização política do Brasil, seus projetos sociais e o que faria diferente no hiato entre o menino do Engenho Novo, Zona Norte do Rio de Janeiro, e o influenciador com milhares de seguidores e alguns guarda-costas.

O ódio é uma palavra que não apenas está no título do seu livro, mas que tem transpassado a sua vida. O que é o ódio pra você?

Existe o ódio sentido e o ódio manifestado, que são coisas muito distintas. O que sentimos é natural e deve ser enfrentado com o autoconhecimento e a terapia, já o que manifestamos é o maior problema, pois ele normalmente se fundamenta apenas na emoção e não na razão. É a ofensa, o preconceito, a inferiorização, a violência…

Você começou disseminando o ódio, depois virou alvo dele… E agora está lançando “Como enfrentar o ódio – a internet e a luta pela democracia”. Ao escrever você descobriu como enfrentar esse sentimento? Qual a solução?

O processo de enfrentamento do meu ódio interno foi resultado de anos de terapia e estudo, para que eu pudesse ter uma real compreensão de quando estava permitindo que minhas ações fossem realizadas por meio da emoção impulsiva e de onde vinham esses sentimentos. Quando eu estava sentindo inveja? Quando era recalque? Quando era ciúme? Quando era uma reação coerente? Quando era uma defesa? O ódio se fundamenta em inúmeros fatores e entendê-los faz parte do processo de entendermos a nós mesmos, admitir o que sentimos e lidarmos com isso. A solução é a terapia e o exercício diário de autoconhecimento. O desafio é para sempre, pois nunca nos livramos do ódio, apenas podemos aprender a lidar com ele… E nem sempre vamos conseguir.

Curiosamente, hoje é exatamente o lançamento do seu livro na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) que tem gerado novos ódios. Há quem acredite que você não deveria participar porque não considera literatura. Acha que um dia vai deixar de ser um alvo?

Acredito que deva diminuir quando minha relevância também for diminuindo, o que é natural e vai acontecer em algum momento. Enquanto essa relevância no debate público existir, o ódio continuará sendo inevitável.

Acha que, de 2019 para agora, você ‘suavizou’ a sua forma de atacar a extrema-direita?

Acho que foi o contrário. Em 2019, eu cometia mais erros estratégicos na comunicação e ficava mais passível de tomar processos e ser refutado. Hoje, com a experiência, consigo falar de maneira mais clara, sem dar margem para muitos processos, mas com a contundência necessária para enfrentar a extrema-direita, que não pode jamais ser tratada com flores.

Você se acha uma vítima ou acredita que tenha – querendo ou não – buscado esse caminho?

Eu fui autor do ódio digital por alguns anos, sem ter consciência disso ou da gravidade do problema. Cresci desse modo no Youtube, lá nos primórdios de 2010. Depois disso, ajustei meu caminho diversas vezes e aprendi muita coisa ao longo do percurso. Não me coloco na posição de vítima e muito menos acredito que busquei esse caminho. Eu não busquei ser associado de maneira criminosa com pedofilia. Não busquei ser perseguido pelo governo federal. Não busquei compor uma lista oficial de detratores do governo. Não busquei ser indiciado por “corrupção de menores” por um delegado da polícia civil que atuava próximo à família de Jair Bolsonaro. Não busquei ser indiciado por “crime contra a segurança nacional” pelo mesmo delegado. Não busquei ver minha mãe sendo ameaçada de morte e o mesmo delegado (de novo) se negar a investigar o caso. E isso é só a ponta do iceberg de tudo que está no livro “Como Enfrentar o Ódio”.

Quando, em 2019, você comprou os 14 mil livros na Bienal, imediatamente se viu no centro da polarizada política brasileira e passou a receber ameaças de morte. Na época, sua mãe se mudou para fora do Brasil e você cogitou fazer o mesmo. Como consegue viver recebendo esse tipo de mensagem? Psicologicamente, o que você fez para lidar com essa situação? Buscou ajuda profissional? 

Tenho ajuda profissional há muitos anos e segui com o trabalho. Essa foi a parte mais difícil dos últimos anos (a questão da minha mãe). E é exatamente pelo que está presente nessa pergunta que eu digo que não existe “polarização” no Brasil. O que existe é uma extrema direita neofascista e todo mundo que a enfrenta. Não é sobre dois grupos políticos, é sobre um grupo que prega a barbárie e todos os demais que são contra isso, independentemente se são de esquerda, centro ou direita.

Hoje, exorcizando parte de sua vida no livro, faria algo diferente? Tem arrependimentos?

Não faria nada de diferente, porque todo erro que cometi me fez aprender as coisas necessárias para que eu chegasse até aqui, hoje, nesse instante. Ter consciência dos seus erros e lutar para corrigi-los é muito mais importante do que dizer “eu me arrependo” e “faria diferente”. Meu foco sempre será o de assumir publicamente meus erros e mostrar meu esforço em consertar o que fiz.

Como vê o Brasil e os brasileiros de agora? O que precisa evoluir, na sua opinião?

São tantas coisas que prefiro falar do que trato em meus projetos sociais. Meus focos de atuação são a saúde mental dos jovens e a educação digital, dois pilares fundamentais para a construção de um Brasil do futuro e que estão profundamente conectados. Precisamos ensinar o uso consciente da internet, formando uma cidadania digital que pregue deveres e responsabilidades, tal qual a vida física, ao mesmo tempo em que levamos conscientização sobre questões de saúde mental para crianças e adolescentes, que são os mais vulneráveis.

Gostaria de ter uma vida mais sossegada? Acordar e poder caminhar em um parque ou ir ao cinema com tranquilidade e sem seguranças?

Não, pois o preço para ter tudo isso seria o da minha consciência. Prefiro dormir tranquilo e sossegado do que ter uma vida tranquila e sossegada, mas não conseguir dormir.

Crédito da imagem: Reprodução Instagram

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