Eurico Cunha tinha 6 anos quando perdeu a visão. O episódio foi encarado pela família sem protecionismos, e a decisão não poderia ter sido mais acertada. Ele cresceu vencendo desafios até descobrir a vocação para empreender. Dono de um paladar apurado, não demorou para tornar-se referência no segmento de gastronomia, tendo alguns de seus negócios premiados com a estrela Michelin, feito inédito ate então no Brasil.
Essa trajetória inspiradora é relatada pelo jornalista Mauro Ventura no livro “Não precisa acender a luz” (Tinta Negra). A edição será lançada pelo jornalista e pelo biografado nesta quarta-feira (09), na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, e NEW MAG conversou com Eurico sobre suas motivações, levando-o a refletir sobre o país e o mundo de hoje.
– Apesar das reformas em andamento, as dificuldades para empreender vão desde a burocracia nas esferas federal, estadual e municipal à complexidade da legislação fiscal e trabalhista, passando pelo custo absurdo do capital e pela intensa insegurança jurídica. Há uma frase perfeita: “no Brasil até o passado é incerto” – elenca o empresário corroborando ainda: – Para completar, a “cultura nacional” não valoriza o empreendedor. Não é nada incomum o empresário ser tachado como um capitalista selvagem e até muito recentemente os pais preferiam ver seus filhos fazendo concursos públicos do que tentando empreender.
As incursões pelo ramo da gastronomia foram muitas e são comentadas em minúcias na obra. Com o chef francês Alain Ducasse, detentor de 21 estrelas Michelin, não chegou a fazer negócio, mas os encontros (“sempre saborosos, com almoços by Ducasse”), foram memoráveis.
No quesito parcerias internacionais, ele teve oportunidade de inaugurar no Rio de Janeiro o “La isla”, empreendimento realizado em parceria com o governo de Fidel Castro. O chef era o mesmo que cozinhou para Barack Obama por ocasião da visita do então presidente dos EUA àquele país. “Os charutos e o rum cubanos mais o conjunto nativo de música tornavam memorável a experiência no La Isla”, avalia. Mas a experiência envolveu dissabores,como ele elenca e conta também no livro:
– Numa reviravolta digna de roteiro de espionagem, os representantes do governo cubano na nossa sociedade, entraram em conflito numa nítida disputa de poder, o que levou o comandante (Fidel) a determinar o retorno de toda a equipe à ilha e a completa suspensão do envio dos insumos. Uma lástima para a gastronomia carioca…
E já que falamos nos EUA, sobre o tarifaço recém-implementado por Donald Trump, Eurico critica a forma como as medidas foram implementadas. Do alto da sua experiência, defende que o diálogo anteceda quaisquer medidas que beirem a arbitrariedade.
– Se em geral é difícil fazer previsões econômicas imagine num caso como este, absolutamente disruptivo? Mas uma coisa é certa: a forma de adoção destas medidas está lamentavelmente errada. Não é civilizado adotar a força antes do diálogo, a truculência em detrimento da busca pela convivência, o exibicionismo no lugar da tranquilidade que transmitem aqueles que tomam decisões com a convicção do acerto e da justiça de suas posições, ainda que equivocadas – analisa.
A vida é feita dessa sucessão de fatores – bons e maus –, fundamentais para nosso crescimento pessoal. A fé no futuro e na humanidade mantêm-se inabaladas apesar da descrença decorrente desses tempos de hiperconectividade e de tantas notícias falsas. E, como naquele samba de Gonzaguinha (1945-1991), a fé é pautada pela pureza da resposta das crianças.
– Não podemos dizer que estamos vivendo um momento de especial afirmação de valores humanistas, de empatia e respeito ao outro, de aposta no diálogo em oposição ao conflito, de valorização das artes e da ciência como bens preciosos da humanidade. Mas acredito que a nossa evolução é irreversível – atesta ele destacando a seguir: – E um dos aspectos que me anima com relação à inclusão e a diminuição do preconceito é o comportamento das crianças. Espontaneamente eles expressam cada vez mais valores e atitudes que desaprovam a discriminação e a destruição dos recursos naturais. Uma coisa boa está florescendo na nova geração.
Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e Leo Martins (imagens)