Ele é o diretor de alguns dos espetáculos mais surpreendentes da cena atual brasileira. Um exemplo é “Tom na fazenda”, que lota teatros desde sua estreia, em 2017,e que ganhou o mundo. Outro é a pungente “Ficções”, estrelada por Vera Holtz. E há também “Ray – Você não me conhece”,que, no fim do ano passado, rendeu a Rodrigo Portella o Prêmio APCA na categoria Direção – o primeiro numa carreira iniciada há 30 anos e pautada por duas palavras: resiliência e fé no ofício por ele abraçado.
– O Brasil é um país onde nossa confiança nele está sempre sendo colocada à prova e, volta e meia, nossa fé nele é abalada, mas a arte brasileira é poderosa. O que a gente consegue construir a partir da precariedade, da falta de recursos e equipamentos, é de fato impressionante! – celebra o diretor de 45 anos.
Rodrigo não fala por diletantismo,mas com conhecimento de causa. Essa percepção do país foi aguçada ainda por outro fator: o distanciamento. O diretor reside há quatro anos em Madri, Espanha, para onde foi estudar cinema e acabou casando e por lá foi ficando. E, por isso, chegou a dirigir de forma remota, como no caso da tocante “O pior de mim”, na qual Maitê Proença lambe as cicatrizes das próprias feridas.
A ponte-aérea entre Espanha e Brasil não é intensa, mas contumaz. E sua próxima temporada em solo brasileiro será de três meses. E, durante esse período, ele vai realizar um antigo desejo: o de levar ao palco uma adaptação de “Ensaio sobre a cegueira”,obra-prima de José Saramago (1922-2010).
O desejo de trabalhar sobre o romance não é de hoje e veio ao encontro de um convite para trabalhar com o mineiro Grupo Galpão. Quando Eduardo Moreira, fundador do grupo, perguntou o que ele queria fazer, Rodrigo sugeriu um mergulho na obra do Nobel de Literatura.
– A vontade de trabalhar essa obra vem muito da necessidade de apontar para essa onda conservadora que ganha terreno não somente no Brasil, mas no mundo como um todo. Há avanços nas áreas dos direitos civis e humanos, conquistados a duras penas, e vem essa onda conservadora querendo varrer tudo do mapa – critica ele.
E Rodrigo fala mais uma vez com conhecimento de causa. Esse encaretamento reflete-se também no teatro produzido hoje na Europa e que o diretor acompanha sem muito entusiasmo, como ele relata:
– A vanguarda europeia encaretou. Todo e qualquer espetáculo utiliza hoje projeções e recursos de vídeo. Parece que seguem uma receita de bolo. Acho que essa proposta está gasta e saio dos teatros entristecido com o que vejo.
E a montagem brasileira de “Tom na fazenda” vai contra essa normatização. Talvez por isso venha cativando o público do Velho Continente, onde já foi assistida em países como Bélgica e França, sempre com casas lotadas e com o público de pé ao final (“o que não é normal por aqui”, salienta ele).
– “Tom na fazenda” está há oito anos em cartaz e isso é surpreendente. Tivemos patrocínio lá no início e, de lá para cá, estamos fazendo na raça. E isso com um elenco formado por atores de teatro que se dispõem a fazer uma peça árida, com temas como intolerância e violência – salienta ele.
Teatros lotados, plateias de pé e, agora, o reconhecimento de um prêmio como o APCA. Nada disso fez ainda com que o diretor vencesse a timidez que o toma a cada novo elogio.
– Quando chegou a notícia do APCA, precisei marcar uma sessão extra de terapia – revela com certo ar maroto.
E virão outras mais – sessões e consagrações.
Créditos: Christovam de Chevalier (texto) e Dalton Valério (imagem)