‘Ainda temos atores ótimos’

abril 18, 2025

Oton Bastos revisita trajetória em espetáculo e fala sobre permanência e perseverança, o convívio com Glauber Rocha e aplaude o reconhecimento a Walter Salles e a Rodrigo Santoro

Othon Bastos vai completar 92 anos no palco. No dia 23 de maio, ele  apresenta em Salvador (BA), onde iniciou sua carreira, “Não me entrego, não”  que levará àquela capital após lotar teatros no Rio de Janeiro e em São Paulo (de onde se despede do Sesc 14 Bis neste fim de semana). No solo, escrito e dirigido com sensibilidade por Flávio Marinho, Othon celebra suas nove décadas de vida rememorando momentos vividos, primordialmente, no cinema e no palco. O teatro é para ele mais do que seu habitat natural; o balão de oxigênio que o faz encarar – muitas vezes de pé – o espetáculo e seu ofício. “O teatro sempre esteve acima de tudo para mim”, reconhece, por telefone, nesta entrevista ao NEW MAG. E não poderia ser diferente em se tratando do expoente de uma geração de gigantes. Esse grande ator compara o passado a uma moeda (“você nunca sabe aonde ela vai parar”) e traz os pés fincados no agora. E fala, a seguir, sobre resiliência, lembra momentos vividos com Glauber Rocha (1939-1981)e Lília Cabral e endossa o reconhecimento obtido por Walter Salles e Rodrigo Santoro no cinema. Assim sendo,é como ele mesmo diz: vamos trabalhar, então!

O senhor vai completar 92 anos exercendo seu ofício no palco. Esperava estar atuante e vigoroso aos 91?

Nunca! A gente nunca sabe o que pode acontecer. Quando cheguei aos 50 intrigava-me como estaria aos 60 e me perguntava para onde estaria indo. O passado é como uma moeda: você nunca sabe aonde ela vai papar. Não posso ficar na expectativa de quando parar! Vamos trabalhar então!

As novas gerações recorrem hoje a coaches e a assistentes como se fossem executivos e não executores… A intuição está com os dias contados na profissão de ator?

De jeito nenhum! A intuição é fundamental. Há uma frase de um compositor baiano, Walter Queiroz, da qual gosto muito: “Criar é mais importante do que ser feliz”. E ele (Walter) tem mesmo razão. A criação está dentro de você,e você a expõe. O ator não vai deixar de criar.

Você teve oportunidade de atuar em duas obras da filmografia do Glauber, um diretor surpreendente e imprevisível. Com o que foi mais fácil e difícil de lidar em se tratando dele?

Na hora da brincadeira, Glauber era igual a todo mundo. Agora, na hora de trabalhar…. ele era um vulcão, um Vesúvio! Fomos amigos, íamos ao cinema e frequentávamos o Teatro Vila Velha. Quando trabalhamos no “Deus e o Diabo”, ele foi muito generoso ao aceitar minhas sugestões para o roteiro. O primeiro ato  é todo tradicional, com o elenco seguindo uma linha de interpretação Stanislawiskiana e, a partir da entrada do Corisco,o filme assume um tom Brechtniano. E, na hora da dublagem, ele ainda quis que eu fizesse a voz de Deus. Glauber era firme nas suas ideias e atento às coisas de fora. Ele tinha, como aquela máxima do Cinema Novo,  uma câmera na mão e mil ideias na cabeça.

O senhor foi dirigido por Walter Salles em Central do Brasil. Walter já pode figurar no panteão dos nossos grandes diretores?

O Walter é um cara muito inteligente e preparado. Ele entende de cinema mesmo e, com “Ainda estou aqui”, está tendo mais uma oportunidade de mostrar o grande diretor que é. Ele tem uma característica muito interessante que é a de estar aberto às sugestões dos atores. Ele deixa o ator criar e o vai tangenciando aonde quer que você chegue. Foi assim em “Central do Brasil” nas cenas em que contracenei com Fernanda (Montenegro) e com o Vinicius (Oliveira).

O senhor também  trabalhou duas vezes no cinema com o Rodrigo Santoro. Como avalia as conquistas do Rodrigo no exterior?

Acho o Rodrigo brilhante. O ator não pode depender apenas do seu talento, ele precisa ter também sorte. E o Rodrigo pegou com garras e dentes a oportunidade dada a ele em “Bicho de sete cabeças”. Quando o filme foi lançado no Festival de Brasília, o Rodrigo foi vaiado por um grupo de jovens. Após a exibição, esse mesmo grupo o procurou para pedir desculpas. Ninguém precisa pedir a ele mais nada!

O Silviano de Império era um personagem misterioso e cativante. Othon Bastos comprova a máxima de que não existem papéis pequenos?

Todo papel tem importância para um ator e ele precisa desempenhá-lo com muita dignidade. No caso do Silviano, como o Marcelo Serrado havia feito o Crô, o Aguinaldo colocou a rubrica de que ele não era gay. A partir disso, a Lília (Cabral) e eu inventamos uma estória de que ele a conhecia desde pequena. No fim da novela, fomos surpreendidos coma a informação de que eles tinham sido casados. E agora (risos)? A saída foi trazer aquela questão de que ela o havia perdoado e, por isso, ele trabalhava para ela.

No teatro, companheiros como Guarnieri e Boal. No cinema, Ruy Guerra e Leon Hirszman…  Qual diagnóstico  faz da sua geração?

A Nathalia Timberg, depois de ver o espetáculo, comentou da alegria de ver artistas da nossa geração atuantes. O teatro está dentro de nós e isso é um fato. O que me preocupa é: quem nos substituirá? Ainda temos atores ótimos.

Em algum momento pensou em desistir?

Nunca! E isso tem a ver com o fato de ter trabalhado em grupo. Foi assim na Bahia e, anos depois, com a Martha (Overbeck,sua mulher). O teatro sempre esteve acima de tudo para mim.

Fernanda Montenegro declarou recentemente estar se aposentando do cinema. Pensa em fazer o mesmo com alguma das áreas em que atua?

Tenho convites para fazer uns dois, três filmes… Tudo é muito vago. Se vou conseguir fazer um ou dois, não sei. Fazer cinema cansa muito. O Clint Eastwood tem isso de bater a porta e não deixar a velhice entrar (risos). Por ora, estou nessa peça, quero fazê-la e ir com ela até onde puder. Tenho essa obrigação de mostrá-la  a todo mundo. O teatro é nossa força máxima.

A longevidade coloca mais perto da finitude… Irene Ravache me confessou ter medo de morrer. Como o senhor lida com essa questão?

A Irene tem razão num ponto: de fato não sabemos o que vai acontecer (risso). A única coisa que sabemos é que vamos morrer, então o que pode acontecer é de a gente não se preparar bem para a morte. A coisa mais importante é viver. O Mário de Andrade tem uma frase da qual gosto muito: “A vida é mais importante do que a posteridade”. O Éden existe de fato? Ele pode estar em você mesmo. Num camarim, todos somos iguais. E você precisa saber quem é você no camarim da sua vida. O (ator) Sergio Britto dizia que, para ele, o pior momento era quando as cortinas se fechavam.  Não pelos aplausos, mas pelo que deixamos ali. O que vamos encontrar após a vida é um segredo que Deus não nos permite saber.

Créditos: Christovam de Chevalier (texto e entrevista) e reprodução\instagram (imagem)

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