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fevereiro 22, 2025

'O último azul’, do brasileiro Gabriel Mascaro, conquista o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim

por Rodrigo Fonseca*

Foi a Noruega quem levou o Urso de Ouro, por um filme cheio de amor e de louvor à arte literária chamado “Dreams (Sex love)”, de Dag Johan Haugerud, mas o Brasil saiu da 75ª Berlinale (muito bem) laureado, ao receber o Grande Prêmio do Júri do festival por uma distopia ambientada na Amazônia: “O último azul”, de Gabriel Mascaro. Numa tripla vitória, o novo longa-metragem do diretor de “Boi neon” (2015) conquistou ainda o Prêmio do Júri Ecumênico e a láurea do Público Leitor do jornal Berliner Morgenpost.

– A gente veio aqui num momento em que o Brasil voltou a abraçar nosso cinema – disse Mascaro ao NEW MAG, referindo-se a uma leva recente de sucessos nacionais, incluindo “Ainda estou aqui”, no páreo do Oscar.

Estruturado como um river movie, por se concentrar numa paisagem fluvial amazônica, “O último azul” fala de uma realidade azeda com os idosos. Nela, o governo brasileiro passa a transferir septuagenários para uma colônia habitacional para “desfrutarem” seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise Weinberg, numa colossal atuação), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade… para com ela ser livre. Para isso, vai se enfiar numa jornada fluvial com direito a um barqueiro de coração partido (papel de Rodrigo Santoro) e uma vendedora de Bíblias digitais (a cubana Miriam Socorrás).

– Todas as alegorias do filme foram criadas por mim e deu um trabalho dos infernos inventar isso tudo, sem referência onde me apoiar que não fosse as invenções da minha cabeça, obrigando-me a revisar cada detalhe a partir das regras que impusemos à nossa dramaturgia, numa trama sobre um corpo desejante – disse Mascaro ao site.

Na sexta, “Hora do recreio”, de Lucia Murat, já havia assegurado uma conquista para o Brasil em solo alemão.  Seu documentário sobre educação ganhou a menção honrosa do júri da mostra Generation. É uma aula de estrutura dramatúrgica. Murat retrata a reação de uma série de estudantes a uma pesquisa com professores da rede pública. Os jovens documentados discutem temas como evasão escolar, racismo, tráfico de drogas, bala perdida, feminicídio e gravidez precoce, além de performarem uma peça baseada no livro “Clara dos Anjos”.

Por meio dessa dramatização, realizada por atores dos grupos Nós do Morro, do Vidigal; Grupo de Teatro VOZES, do Cantagalo; e Instituto Arteiros, da Cidade de Deus, alunos comparam as interpretações às suas vivências como moradores de comunidades. Houve uma menção ainda para o curta “Atardecer en América”, de Matías Rojas Valencia, uma coprodução do Brasil com o Chile.

Quem presidiu as escolhas das produções vencedoras foi o realizador americano Todd Haynes (de “Carol”), ícone da produção indie e queer dos EUA. Seu colegiado de  jurados foi composto por três cineastas (a alemã Maria Schrader, que também é atriz; o marroquino Nabil Ayouch; e o argentino Rodrigo Moreno); a figurinista Bina Daigeler, egressa de Munique; a crítica de cinema Amy Nicholson, do Los Angeles Times; e a estrela chinesa Fan Bingbing.

Todos se encantaram pela torrente lírica, de vias norueguesas, trazida pelo dulcíssimo “Dreams (Sex love)”, de Dag Johan Haugerud. O filme é parte de um projeto que o diretor escandinavo tem criado a fim de entender modo, que abocanhou o Urso dourado. A trama faz uma ode à literatura ao narrar o processo de escrita de uma adolescente no registro (em prosa) de suas fantasias sentimentais por uma mulher mais velha.

O coletivo encabeçado por Haynes atribuiu o prêmio de Melhor Roteiro a “Kontinetal ’25”, produzido por Rodrigo Teixeira (de “Ainda estou aqui”) e dirigido pelo romeno Radu Jude. A irônica dramaturgia dele se passa na região de Cluj, na Transilvânia. Em seu enredo, um sem-teto comete suicídio depois de ser expulso de seu abrigo no porão de uma casa. Orsolya, a oficial de justiça que executou o despejo, é impelida a fazer várias tentativas para lidar com seus sentimentos de culpa pela morte do sujeito.

– Conheci Radu num júri em Locarno, onde já me falavam do quanto ele é brilhante, e queria que ele trouxesse um projeto para mim. Em meio à criação de outro filme, chamado ‘Dracula’s Park’, ele me trouxe essa história que veio para Berlim – disse Teixeira ao NEW MAG.

Nas categorias de Melhor Interpretação, Hollywood brilhou com as vitórias de Rose Byrne (por “If I had legs I would kick you”) e Andrew Scott (“Blue moon”)

Julgado por um júri paralelo, que incluiu a diretora mineira Petra Costa, o prêmio de Melhor Documentário da Berlinale ficou com “Holding liat”, de Brandon Kramer. É a saga de uma família afoita por notícias de uma parente desaparecida em meio a um atentado terrorista.

– Tentei observar o que se passava ali e entender o quanto a expectativa era tóxica para aquelas pessoas, apesar de todo o amor que os unia – declarou Kramer.

Terminada a Berlinale, o circuito dos grandes festivais segue com Cannes, que realiza sua 78ª edição de 13 a 24 de maio, com Juliette Binoche presidindo a escolha da Palma de Ouro.

PREMIAÇÃO DA BERLINALE 2025

URSO DE OURO: “Dreams (Sex Love)”, de Dag Johan Haugerud (Noruega)

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro (Brasil)

PRÊMIO DO JÚRI: “El Mensaje”, de Iván Fund (Argentina)

MELHOR DOCUMENTÁRIO: “Holding Liat”, de Brandon Kramer (EUA, Israel), com menções honrosas para “La Memoria de Las Mariposas” (Peru) e “Canone Effimero” (Itália)

PRÊMIO PERSPECTIVES: “El Diablo Fuma”, de Ernesto Martinez Bucio (México), com menção especial para “On Vous Croit” (França)

CURTA-METRAGEM: “Lloyd Wong, Unfinished”, de Lesley Loski Chan (Canadá)

PRÊMIO ESPECIAL DE CURTA: “Ordinary Life”, de Yoriko Mizushiri (Japão)

DIREÇÃO: Huo Mong (“Living The Land”)

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL PRINCIPAL: Rose Byrne (“If I Had Legs I Would Kick You”)

MELHOR INTERPRETAÇÃO EM PAPEL COADJUVANTE: Andrew Scott, em “Blue Moon”

ROTEIRO: Radu Jude por “Kontinental ‘25”

CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: “La Tour De Glace”, de Lucile Hadžihalilović

PRÊMIO DA ANISTIA INTERNACIONAL: “The Moelln Letters”, de Martina Priessner

PRÊMIO DA CRÍTICA: “Dreams (Sex Love)”

TEDDY: “Lesbian Space Princess”, de Emma Hough Hobbs e Leela Varghes

PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO: “O Último Azul”

*enviado especial ao Festival de Berlim

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