“O tempo leva o tempo que ele julgar necessário”. A frase, proferida na noite da última terça-feira (10), no Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vem bem a calhar quando se trata de Gilberto Gil. O tempo, como eternizado por ele, é Rei. E, como tal, decreta que o momento é de render comendas a este que é , aos 82 anos, um dos maiores nomes da nossa música.
Gil recebeu daquela instituição de ensino o título de Doutor Honoris Causa, em sessão solene presidida pelo reitor da UFRJ, o médico e professor Roberto Medrondo, e que contou com autoridades ligadas à instituição como a vice-reitora, Cássia Curan Cursi, e o diretor daquela escola de música, Ronal Silveira.
Em se tratando de um dos nossos mais brilhantes compositores, a cerimônia teve música, executada por três grupos. O primeiro deles, formado apenas por crianças, brilhou ao executar obras como “A paz” e “Aquele abraço”. Já o grupo TriloGils elencou as faixas-títulos dos três álbuns da fase Re: “Refazenda” (1976), Refavela (1977) e Realce (1979). O ato terminou com maestria pelo Grupo de Câmara da Orquestra da UFRJ, num set composto por “De onde vem o baião?”, “Drão” e “Estrela”.
A entrega do título foi precedida pela fala do professor Samuel Mello Araújo Junior, do Centro de Letras e Artes, que destacou as lições de “vida, amor ao Planeta e de amor ao próximo” trazidas no cancioneiro do homenageado, além de atenção dada por ele às universidades públicas em sua passagem pelo Ministério da Cultura.
Gil agradeceu a outorga numa breve fala, lembrando episódio recente em que, numa confraternização de fim de ano, saudou um velho conhecido como “doutor”. Diante da reprimenda do amigo, que forjara seu conhecimento “de forma intuitiva”, Gil justificou-se:
– Eu me habituei a chamar de doutor aos muitos por quem tenho admiração, a quem dedico profissão sincera, e a quem vejo como cúmplices e parceiros de vidas intensas e criativas.. Este título, hoje a mim conferido por esta casa universitária, eu o tomo como assemelhado ao tratamento de “doutor” dado por mim àquele camarada de quem me despedi anteontem.
Ao agradecer aos músicos, Gil foi traído pela emoção e se referiu à orquestra como sendo da Uerj. Flora, sua mulher, foi a seu ouvido sugerir a correção, feita com savoir faire:
– Peço novamente o microfone para uma reparação. Cometi uma troca de letras… A, B, C, D, E, F!
O lapso do homenageado justifica-se também por um fato que precisa ser repensado. A cerimônia teve discursos longos, pautados, em alguns casos, pelo intuito de os professores demonstrarem erudição quando o propósito era o de reverenciar uma figura pública. Merecem, portanto, aplausos, a vice-reitora e o diretor da Escola de Música pela objetividade de suas falas.
E a cerimônia chegou ao fim num híbrido de afetuosidade e espirituosidade. Roberto Medrondo referiu-se a Gil como “ministro da Saúde”, causando burburinho na plateia. Outro ato falho?
– Ao nos brindar com um cancioneiro tão importante e signiificativo você acabou por cuidar também da saúde de todos nós – justificou o reitor, destacando a presença da pneumologista Margareth Dalcolmo.
E, como artista ou profissional da saúde, Gil transformou, “as velhas formas do viver”. E, tal e qual o super-homem da canção, nos restituiu a glória. Kaô, kabiecilê!
Crédito das imagens: Eny Miranda