Era o ano de 1989. Um grupo de jovens e promissores atores reúne-se no Teatro Candido Mendes, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. Um deles era Leonardo Franco. Ele tinha 24 anos e não imaginava que, naquele ano, o destino lhe pregaria uma senhora peça – com duplo sentido. Ali, naquele espaço, eram realizados testes para “O lobo de Ray Ban”, espetáculo estrelado por Raul Cortez, já um dos nossos grandes atores, e que traria ainda a talentosa e exuberante Christiane Torloni. O texto de Renato Borghi (papa do nosso teatro) seria dirigido por José Possi Neto, já apontado como grande encenador naquela virada de década.
Dias depois, Franco recebe em casa o telefonema de Possi: – Você passou e preciso que venha a São Paulo o quanto antes. Leonardo mudaria de vida e estreitaria ali fortes elos com “O lobo de Ray-Ban”. A ponto de, duas décadas depois, voltar a integrar o elenco numa nova versão. O papel-título era interpretado agora por Torloni em plena Idade da Loba.
Pois o mundo dá voltas, e Leonardo Franco voltará à peça, naquela que será sua terceira incursão pelo texto. E caberá a ele encarar, aos 60 anos, Paulo Prado, o Lobo do papel-título. Com direção de Tadeu Aguiar, a nova montagem está em fase de captação de recursos e vai celebrar os 18 anos do Solar de Botafogo, centro cultural comandado pelo ator no Rio de Janeiro, e, claro, reavivar a memória de Raul Cortez, cuja morte completa 18 anos.
– A montagem me mostrou que era possível, naquele momento, ter um teatro de excelência. Era um teatro feito com muito profissionalismo e possível de dar certo – recorda-se Leo, que interpretou o jovem Fernando, ressaltando as marcas deixadas pela experiência: – O espetáculo me mostrou que poderia ter determinação para, a partir dali, estabelecer objetivos na minha carreira.
Leonardo fora chamado para o teste em função do seu desempenho em “O voo dos pássaros selvagens”, na qual contracenara com Tamara Taxman. Os trabalhos nos palcos eram conciliados com o curso de psicologia, e a experiência em “O Lobo de Ray-Ban” foi crucial para ele abraçar de fato o ofício. E o contato com Raul contribuiu para isso, como Leo conta:
– O Raul trazia o que um ator tinha de melhor. Era de fato um homem de teatro. Muitas vezes, ao contracenar com ele, ficava atento às suas minúcias e a seus maneirismos. Com ele aprendi que é importante ter coragem, ousadia e comprometimento nesta profissão.
Ousadia não faltou. Leo ficava nu em cena e, em outros momentos, a intimidade entre Fernando e Paulo, seus personagens, era latente. E isso levou o então jovem ator a sublimar e rever conceitos:
– O Raul não era de meio termo. Durante os ensaios, chegava na terapia e comentava: “Nossa, o Raul quase me estuprou hoje” – rememora Leo destacando o aprendizado da experiência: – Quebrei vários tabus para estar ali, mas a experiência valeu muito a pena.
E outros tantos serão quebrados novamente. Para isso o teatro é uma obra viva.
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