‘Um escândalo na época’

julho 2, 2024

Livro sobre a Som Livre vai além da gravadora e legitima pioneirismo do primeiro programa que misturou gêneros musicais na TV brasileira

Em 1971, Caetano Veloso deixou a Inglaterra, onde estava exilado, para uma breve visita ao Brasil. O compositor obteve, na ocasião, autorização do governo para prestigiar em Santo Amaro da Purificação (BA), a celebração pelos 40 anos de seus pais, Dona Canô (1907-2012) e José Telles Velloso. Sabendo que o artista passaria pelo Rio de Janeiro, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, não perdeu tempo e pautou a participação de Caetano no novo programa musical da TV Globo, o “Som livre exportação”.

A participação deu-se com “Adeus, batucada”, de Synval Silva (1911-1994) e que traz o verso “Vou-me embora chorando”, numa mensagem prontamente assimilada pelo público presente e pelos telespectadores. O episódio é um dos muitos elencados por Hugo Sukman em “Som Livre: uma biografia do ouvido brasileiro” (Globo Livros), que o jornalista – e grande conhecedor musical – autografa nesta terça-feira (02), na Livraria da Travessa de Ipanema.

–  O Boni queria um programa em que pudesse ter Caetano, Chico Buarque e Vinicius de Moraes como atrações. Como eles não se apresentavam na emissora, por conta das divergências políticas, a saída foi criar um programa  de cunho mais progressista a fim de promover a diversidade da nossa música. Tanto que seus primeiros apresentadores eram do MAU, movimento que tinha Ivan Lins, Gonzaguinha e Aldir Blanc entre seus integrantes – explica Sukman

Enquanto Vinicius foi de “Na Tonga da mironga do cabuletê”, parceria com Toquinho estourada nas rádios de então, Chico foi mais ousado. O compositor, recém-chegado do exílio em Roma, escolheu apresentar o samba “Apesar de você”, petardo cujo alvo era o então presidente Emílio Garrastazu Médici (1905-1985).

–  Houve uma aura de mistério em torno da canção que Chico escolheria para o programa de estreia, que contou ainda com Clementina de Jesus, Waldick Soriano, Tim Maia e Os Mutantes entre as atrações, o que foi um escândalo na época  – destaca o jornalista, chamando atenção à mudança de paradigma trazida pela atração: –  Os programas musicais eram divididos por gêneros. Reunia-se o pessoal da bossa nova; em outro, o do samba e, em outro,o pessoal do rock. O “Som livre exportação” foi o primeiro programa a misturar estilos diferentes na TV brasileira.

Se o programa teve carreira meteórica, o mesmo não aconteceria com seu nome. Findo o contrato da TV Globo com a Philips, gravadora cujo cast compunha e gravava os temas das telenovelas, o nome Som Livre seria lembrado por Boni (olha ele aí de novo). Tudo porque o executivo queria um nome menos formal para a gravadora que nascia em fins dos anos 1970.

– O nome original da gravadora é Sigla numa referência a Sistema Globo de Gravações Audiovisuais, e o Boni ao tomar conhecimento, reagiu com um daqueles palavrões que ajudaram a fazer a sua fama de exigente.

E foi justo um desses palavrões que acabaram por fomentar a amizade  entre Boni e o produtor musical Guto Graça Mello. Ao conhecer a trilha composta por Guto e por Nelson Motta para a novela “Cavalo de aço”, em 1973, deu-se a seguinte contenda:

– Essa trilha está uma MERDA!

– Uma merda não! – peitou Graça Mello. Iniciava-se ali uma amizade que não só renderia frutos como acarretaria numa fábrica de sonhos que embalou as vidas de milhões de brasileiros entre os anos 1970 e 2021, quando a Som Livre foi incorporada à Sony.

Mas essa já é outra história…

O jornalista Hugo Sukman, autor de “Som Livre: uma biografia do ouvido brasileiro”

 

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