E comum filhos de artistas seguirem os passos dos pais. Isso se dá no teatro, na música, na gastronomia e também no humor. E Bruno Mazzeo é um belo exemplo. Filho dos atores Alcione Mazzeo e Chico Anysio (1931-2012), ele cresceu vendo o pai – o maior humorista que este país conheceu – criar alguns dos tipos imortalizados por ele na TV. Sem se intimidar diante de tal magnitude, Bruno construiu com competência e autenticidade seu próprio caminho no segmento. E isso ficou evidente na TV e nos palcos, em humorísticos como “Cilada”, criado por ele, ou na peça “5x Comédia”. Bruno tem brilho próprio e mostrará isso mais uma vez a partir desta sexta (1º de março), quando estreia “Gostava mais dos pais”. No palco do Teatro Porto, em São Paulo, ele divide a cena com Lúcio Mauro Filho, outro filhotão de peixe, e, juntos, coroam seus destinos traçados, com a licença de Cazuza (1958-1990), na maternidade. “Em casa, tive a referência muito forte da figura do meu pai”, conta ele por telefone ao NEW MAG no início da tarde desta sexta-feira. Na conversaBruno fala do legado do pai, da construção da própria identidade artística, da relação com a fama, avalia a função do humor na sociedade e, em tempos tecnológicos, é categórico: “O teatro vai resistir”.
O ponto de partida do espetáculo é a postagem de uma dança numa rede social. O artista tem de ser tecnológico ou pode preservar um lado analógico?
Algumas pessoas ainda mantém essa característica. Eu mesmo conheço pessoas que, ainda hoje, não têm celular. Mas os recursos tecnológico são uma realidade e, no caso do artista, é muito difícil não se relacionar com esse universo.
Você e Lúcio celebram no palco uma amizade que vem de berço e uma parceria profissional que remete às dos pais de vocês. Qual a primeira lembrança que você tem do Lúcio?
Não é a primeira imagem que tenho dele, mas a que me veio à cabeça neste instante: a de eu chegar para o primeiro show dos Rolling Stones no Brasil e encontrar o Lucinho coberto por uma capa de chuva dessas de saco, perguntando se ainda havia ingresso para comprar.
Vocês não eram exatamente crianças em 1995…
Tínhamos uns 14, 15 anos.
Ainda criança, você produziu textos humorísticos e, num deles, se referia a uma janela e reclama: “Mas ela não se abre”. Você estava fadado a enveredar pelo humor?
Não teve outro jeito! Em casa, foi muito forte a referência da figura do meu pai e da relação dele com o próprio ofício. Não sei dizer se foi um caminho natural ou forçado, mas o meu interesse pelo humor foi espontâneo e aconteceu de forma muito verdadeira.
Luís Fernando Veríssimo encontrou no humor o meio de ser escritor sem repetir o caminho do pai, Érico Veríssimo. Qual preocupação norteou a procura pela tua identidade artística?
Não foi exatamente uma preocupação, mas uma convicção: a de que eu não tinha a capacidade do meu pai de criar diferentes tipos com suas múltiplas vozes. Acabei trilhando um caminho no humor que culminou no que mostrei no “Cilada” (exibido entre 2005 e 2009 no Multishow) . Não poderia fazer o que meu pai fazia.
Nazareno, personagem do teu pai, era, com todo o machismo dele, um retrato fiel de muitos homens ainda hoje. Qual personagem do Chico correria o risco de ser cancelado hoje?
O próprio Nazareno! Ele era, além de machista, sexista e preconceituoso. Ele não teria escapatória!
Uma das funções do humor é a de criticar o comportamento humano. Hoje o politicamente correto pauta muitos discursos. Não estaríamos confundindo crítica com apologia?
Entendo sua colocação e acho que pode haver certa confusão, sim. Quando mostramos um machista não estamos defendendo o machismo, mas fazendo uma crítica a ele. Vivi isso quando escrevi “Filhos da pátria”. A personagem da Fernanda Torres era uma mulher preconceituosa que tratava mal a empregada. Queríamos mostrar ao público que, na nossa sociedade, há outras tantas pessoas iguais àquela personagem.
O bordão “Ou não” foi criado por você e, anos depois, numa crônica, Caetano Veloso comentou o fato de a frase ser associada a ele sem nunca tê-la proferido. Citando o próprio Caetano, “é engraçado a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer”…
Verdade e você é a primeira pessoa a me perguntar sobre isso. Então, vou falar aqui pela primeira vez: esse bordão surgiu por causa do João Claudio, um comediante piauiense muito talentoso que imita perfeitamente o Caetano. Como meu pai tinha um personagem inspirado no Gil, juntamos os dois. Estávamos já numa reunião de produção, quando, numa conversa, o (ator) Eduardo Martini, que integrava o elenco, concluiu o papo com o “Ou não”. O mérito foi dele. Vou até falar sobre isso quando encontrar o Caetano…
O bordão é fundamental no humor?
Não é fundamental, mas é um tipo marcante de humor que nasceu aqui, comumente usado com personagens semanais. As situações mudavam, e o bordão arrematava o quadro. O público assistia esperando por ele. Isso se perpetuou na TV até a “Escolinha(do professor Raimundo”) e, hoje, é encontrado somente no “A praça é nossa”.
Em maio você completa 47 anos. Até que ponto a proximidade dos 50 te amedronta ou te fascina?
Tem mais me assustado do que fascinado. Quando meu pai chegou aos 50 anos, ele já era um coroa. Hoje, me olho no espelho e não me sinto um coroa. Tenho pensado sobre isso desde os meus 35 anos. Essa é uma das questões que tratamos na peça: a de como não ser um tiozão. Olho os meus heróis, todos com 70, 80 anos, e eles estão ótimos.
Nossos heróis não morreram de overdose…
Os que não morreram estão ótimos.
Fazendo jus a uma reflexão tua presente na peça, pergunto se haverá espaço para o que vocês sabem fazer?
Cara, pois é… Abro o instagram e me divirto com caras lá de longe que fazem coisas originais e de forma orgânica, sem roteiro e outros recursos que uso. Não sei dizer o destino do humor, mas uma coisa é certa: o teatro vai resistir. E por isso escolhemos falar dessa questão no teatro e não numa série de TV. Aconteça o que acontecer, ele vai resistir.