Consagração de uma cantora popular

fevereiro 3, 2024

Fafá de Belém apresenta show de sucessos no Rio de Janeiro em noite de reverências a Boni e a Betty Faria

Numa crônica de 1975, Artur da Távola, heterônimo do jornalista Paulo Roberto Monteiro de Barros (1936-2008), escreveu que, pela tela da TV, uma menina “de seios fartos e sorriso luminoso” entrara na sua casa mostrando-lhe “um Brasil”. A moça em questão era a ainda desconhecida Fafá de Belém, e o texto fora inspirado pelo primeiro clipe da cantora no “Fantástico”, motivado por  “Filho da Bahia”, sucesso na trilha da novela “Gabriela”.

O jornalista é merecidamente reverenciado pela artista no show “Fafá, a filha do Brasil”, que ela apresentou, na noite do última sexta-feira (02), no Vivo Rio, Centro do Rio de Janeiro, após passar por Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG) e São Paulo. A tal crônica foi comentada por Fafá após cantar Ffilho da Bahia”, mote para a artista agradecer a um nome presente na plateia: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos responsáveis pelo que ficou conhecido como Padrão Globo de Qualidade.

“Mas ninguém sabe quem é essa cantora”, argumentaram diante da sugestão do executivo para o samba entrar na novela “Gabriela”. “Então põe que a cantora é uma menina que ninguém conhece ainda”, rebateu ele. E o “ainda” da fala seria premonitório, pois não tardaria para Fafá ganhar o país. E, ao longo de quase 50 anos de carreira fonográfica (iniciada com “Tamba tajá, em 1975), Fafá mostrou aos brasileiros muito do que se produzia de música nos rincões do país, sendo pioneira ao gravar estilos como a lambada.

E a versatilidade dessa grande artista faz-se presente no seu novo show, dirigido com competência por Gustavo Gasparani, num roteiro muito bem amarrado. Fafá emerge de suas raízes paraenses para mergulhar fundo nos outros Brasis que ajudou a popularizar. O espetáculo é aberto com “Indauê Tupã” e a cantora segue com “Pauapixuna”, de Paulo André e Ruy Barata, não contendo a emoção ao ver a casa lotada cantar com ela “Foi assim”, da mesma dupla de compositores.

– Ruy, Paulo Barata e eu abrimos lá em Belém do Pará uma picada que veio culminar no Sudeste do país – constatou Fafá que, antes, fizera outra homenagem merecida, desta vez a Sueli Costa (1943-2023), coautora com Cacaso (1944-1987) de “Dentro de mim mora um anjo”.

Foi-se o tempo em que quem a visse assim cantando não sabia nada sobre Fafá. Provas disso são “Viola enluarada” (de Marcos e Paulo Sérgio Valle e o número mais emocionante da noite) e “Sob medida”, de Chico Buarque. Com o bolero, lançado por ela em 1979, a artista encerra o primeiro set do show mostrando que é uma artista sob medida para os carinhos do público, já arrebatado.

 

Fafá em um dos muitos momentos pungentes do show

O segundo set é aberto com “Que me venha esse homem” (David Tygel\Bruna Lombardi) num sinal de que o público deveria preparar seu coração. A partir dali Fafá elenca seu repertório romântico, segmento que fez dela, nos anos 1980, uma das cantoras mais populares no país. “Sou uma cantora popular e tenho muito orgulho disso”, sentenciou rendendo em seguida homenagem  ao “pioneirismo”  de Betty Faria, também presente na plateia.

Era a deixa para “Coração do agreste” (Moacyr Luz\Aldir Blanc), tema de “Tieta”, papel-título de Betty na novela de 1989, adaptada do romance de Jorge Amado (1912-2001) por Aguinaldo Silva. O público cantou junto e o mesmo se deu com “Bilhete” (Ivan Lins e Vitor Martins), “Nossa Senhora” (Roberto e Erasmo Carlos) indo ao ápice com “Nuvem de lágrimas” (Paulinho Rezende\Paulo Debétio) e “Vermelho” (Chico da Silva\Julinho Teixeira). No bis, um pot-pourri de sucessos da artista com temas televisivos de outrem, que, neste último caso, pouco acrescentam ao espetáculo.

O coração de Fafá é vermelho, do Agreste e de muitos outros rincões desta nação. A Filha do Brasil é hoje, aos 67 anos, senhora de uma nação que ela, com a força de seu canto, ajudou a engendrar e revelar. Filha ou mãe, Fafá é uma cantora única na sua arte. E quem a vê, assim, cantando sabe que é brasileira. Brasileiríssima, aliás.

Crédito das imagens: Christovam de Chevalier

Fafá emociona-se ao interpretar “Bilhete”, de Ivan Lins e Vitor Martins

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