*por Rodrigo Fonseca
Grife do cinema independente americano desde os anos 1990, quando arrebatou elogios e prêmios com “Velvet Goldmine” (1997), o americano Todd Haynes deslumbrou o Festival de San Sebastián com um drama de elenco estelar (protagonizado por Julianne Morre e Natalie Portman)) já encarado como um dos potenciais candidatos ao Oscar 2024: “Mat December”.
Sua estreia mundial aconteceu em Cannes, em maio, na disputa pela Palma de Ouro. Agora, o longa-metragem do realizador de 62 anos, consagrado por melodramas como “Longe do Paraíso” (2002) e “Carol” (2015), briga pelo troféu do júri popular da mostra Perlak do evento espanhol, que termina no sábado (30). Editado pelo montador paulistano Affonso Gonçalves, a produção transporta Natalie para um universo de segredos familiares e desejos censurados pela correção política.
Ela vive uma atriz, Elizabeth, que se enfurna na casa do casal Gracie e Joe Yoo (papéis de Julianne Moore e Charles Melton) para se preparar para um projeto inspirado na vida nada comum deles. Joe tinha apenas 13 anos quando conheceu Gracie, uma mulher na casa dos 30 anos, e os dois se apaixonaram. Agora que é um adulto, Joe segue apaixonado por ela, mas há instabilidades entre eles, o que se agrava, de modo gradual, com a presença de Elizabeth.
Na entrevista a seguir, Haynes conta ao NEW MAG o que buscava com seu painel de uma América cheia de neuroses.
Como duas atrizes de estilos tão diferentes como Natalie Portman e Julianne Moore se combinam num mesmo set, numa mesma narrativa?
Julianne é minha parceira há muito tempo, em vários filmes. Natalie chegou na minha trajetória nesse projeto, mas não vejo tantas diferenças entre elas. As duas são atrizes que chegam ao set muito bem preparadas, sempre de bom humor, animando o clima com a equipe toda. Isso é fundamental principalmente em um projeto que, por ser de baixo orçamento, teve que ser rodado em 23 dias.
Como funciona a sua colaboração com Affonso Gonçalves, seu montador?
Fonzie e eu ficamos quaretenados durante a pandemia quando iniciamos a produção do documentário “The velvet underground”. Imagina o presente de ficar ao lado de uma mente brilhante como a dele com toda a cultura de vanguarda dos EUA, em imagens de arquivo, na nossa frente. Já tínhamos uma boa parceria antes. Quando estou rodado um filme, não consigo acompanhar a montagem que é feita em paralelo às filmagens. Mas ele já inicia o processo, vendo tudo o que rodamos. Depois de tudo filmado, eu pego centenas de anotações que fiz ao longo de cada take e vou conferir a versão dele. Depois, vamos afinando. É quando o filme vai ganhando solidez. Marcelo Zarvoz, que também é brasileiro, fez nossa trilha sonora. É um grande compositor.
De que maneira “May December” explora os códigos do melodrama, seu gênero habitual?
Tenho circulado pelas cartilhas do folhetim há muito tempo e não enquadro este novo filme no filão, tanto pelo tom quanto pelo estilo. Existe, excessos nele, o que demarca o filão, mas há uma dimensão de distanciamento, sobretudo nas cores.
De que maneira o tema das relações intergeracionais instiga seu olhar na trama?
É um caminho para que eu pudesse discutir poder, debatendo quem tem a força numa relação na qual não é o homem que tem a força. É uma atitude moralista atacar as mulheres quando elas se posicionam de forma que desafiam as normas. Essa é a hipocrisia que eu tento expor aqui.
*nosso correspondente no Festival de San Sebastián