por Rodrigo Fonseca*
ASCONA, SUÍÇA — Fagulhas brasileiras aquecem o dia a dia do 76° Festival de Locarno, uma das cidades de mais alta sensação térmica da Suíça, com dois títulos na disputa pelo prêmio de melhor curta-metragem — “Du Bist So Wunderbar”, de Leandro Goddinho e Paulo Menezes, e “Pássaro Memória”, de Leonardo Martinelli — e uma homenagem a um ícone de transgressão (e de afeto): o catarinense Rogério Sganzerla (1946-2004). Dois filmes dele estão em projeção honorária na cidade: o curta “Documentário” (1966) e um de seus longas mais radicais, a ficção “Abismu”, também chamada “O Abismo”, de 1977.
— Considero ‘O Bandido da Luz Vermelha’, o primeiro longa-metragem de Rogério, um dos maiores filmes da História no cinema mundial — define Giona A. Nazzaro, curador e diretor artístico de Locarno.
Encarado como um pilar do chamado “cinema de invenção”, também associado ao conceito de “cinema marginal” (dos aos anos 1960 e 70), Rogério misturou elementos da cultura pop (HQs, rock’n’roll, tramas de espionagem, ícones da chanchada, sonoplastia de programas de rádio) a uma reflexão muitas vezes tropicalista do assalto que a sociedade brasileira foi vítima ao sofrer uma colonização imperialista. Primeiro vieram os portugueses, depois, os enlatados dos EUA. É contra essas invasões bárbaras que ele se posicionava em obras-primas como “A Mulher de Todos” (1969), estrelado por sua companheira de vida e de criação artística, Helena Ignez, atriz e diretora.
— Rogério foi uma pessoa que veio ao mundo à frente de seu tempo — diz Helena ao NEW MAG.
Realizadora de “Canção de Baal” (Prêmio da Crítica em Gramado, em 2009), ela esteve em Locarno em 2010 para exibir “Luz nas Trevas”, com Ney Matogrosso. Regressa agora para o tributo a Rogério ao lado de uma de suas filhas, a também atriz e cineasta Djin Sganzerla, que despontou como realizadora ao ser premiada internacionalmente com “Mulher Oceano”, em 2020.
— Estamos nos organizando para fazer uma homenagem aos 20 anos da passagem do meu pai, cientes de que seus filmes estão cada vez mais presentes, na mente e na formação de tantos e tantos jovens — explica Djin — O tempo passa, mas meu pai fica cada vez mais atual. É muito emocionante ver a reação da juventude a ele e é muito inspirador ver essa redescoberta dele por Locarno. É motivo de celebração, de amor e de exemplo para que a gente continue cada vez mais resistente a tudo.
Iniciado no último dia 02, o Festival de Locarno termina no dia 12, com a entrega de prêmios feita pelo júri presidido pelo ator Lambert Wilson. Até o momento, três títulos da competição carregam uma aura de favoritismo. O mais forte é o drama luso-suíço “Manga d’Terra”, de Basil da Cunha, que transformou a cantora cabo-verdiana Eliana Rosa numa celebridade na cidade. Ela vive uma aspirante a estrela da música que lida com o abuso de produtores e a violência do racismo em Lisboa.
Também elogiado pela atuação de sua protagonista (Ilinca Manolache), “Do Not Expect Too Much Of The End Of The World” confirma o espírito irônico, iconoclasta e hilariante do diretor romeno Radu Jude. Ele assina um estudo sobre o sucateamento das relações laborais, centrado no empenho de uma produtora (Ilinca, brilhante) em filmar pessoas que sofreram acidentes de trabalho. O terceiro potencial favorito ao troféu de Locarno é o iraniano “Critical Zone”, de Ali Ahmadzadeh, no qual um sujeito cruza a cidade de Teerã em seu carro a distribuir drogas.
*Enviado especial do NEW MAG a Locarno