“Quantas vezes eles vão me perguntar\Se não faço nada\ A não ser cantar\ A não ser cantar”. Era o ano de 1976 e Rita Lee deixava claro no LP “Entradas e bandeiras”, seu quarto disco solo e décimo de carreira, que a música era o seu lugar. Seu lugar de fala, seu lugar de destaque, seu lugar na vida. E que nada nem ninguém a demoveriam.
Quando Rita Lee apareceu, ninguém sonhava com as mudanças que aquela menina loura promoveria no país e na vida de todos nós. E elas não foram poucas. Rita mudou a forma de fazer música, mostrando que aquele tal de rock n’ roll viria para ficar. Mostrou que lugar de mulher era onde ela bem quisesse. No seu caso, no palco, seu habitat natural. E, soberana, abriu alas às Marinas, Marisas, Cássias, Zélias, Pittys e tantas outras, todas suas discípulas.
Longe dos palcos, fechava-se em casa, onde curtia os filhos – e, mais recentemente, os netos. Ela podia estar longe dos nossos olhos, mas sua antena continuava ligada. Quando ninguém falava ainda em Meio Ambiente, ela já estava no colo da “Mamãe Natureza”. Rita defendeu com unhas, dentes e a própria voz a preservação dos animais. E, por isso, comprou briga com ruralistas e com os sertanejos que faturavam em rodeios. Saiu das brigas mais forte ainda.
O país entrou e saiu de buracos, com planos econômicos alucinantes, com Rita sempre atenta aos fatos. “Saio da cama, entro em coma\Mais para zona que para zen”, cantou ela na virada dos anos 1980 para os 1990. A vida pessoal passou também por turbulências, com ela lutando contra a dependência química sem nunca se fazer de coitadinha, abordando a questão com franqueza e coragem. E não poderia ser diferente.
Refeita dos sustos, resgatou a descontração que tanto marcou seu estilo na virada dos anos 1970 para os 1980 em álbuns como “Balacobaco” e “Reza”. “Toda mulher é meio Leila Diniz”, sentenciou, plena de razão, em “Todas as mulheres do mundo”. E todos nós, brasileiros, temos um quê de Rita Lee.
No mesmo “Entradas e bandeiras”, Rita nos diz como é estranho ser humano nessas horas de partida. Na mesma canção, ela nos mostra que há sempre uma sorte, uma nova saída. Rita trilhou e nos apontou os mais variados caminhos, sempre pautada pela franqueza. Ela nos mostrou também que a vida precisa ser vivida com humor, ironia (que ela tinha de sobra) e coragem.
Na lírica “Cartão postal”, ela pergunta: “Pra que sofrer com despedida\ Se quem parte não leva\ Nem o sol nem a treva”. Rita partiu na noite da última segunda-feira (08)… O sol e a treva continuam por aqui, é vero, mas nós, que aqui estamos, sofremos – ainda que não fosse chegada em sofrência.
“Eu não tenho hora para morrer\ Por isso sonho”… E nós sonhamos junto com ela embalados por suas maravilhosas canções. Sim, Rita, é (muito) estranho ser humano nessas horas de partida… Qual é a moral?
A moral é fazer a existência valer a pena – e isso você fez como ninguém. Obrigado por tudo e por tanto, Rita. Se não for pedir demais: olha, por nós, Santa Rita de Sampa. De Sampa, sua mais completa tradução, e desse imenso Brasil, que você tão bem soube traduzir.